Avião da Varig fez pouso com mínimo de combustível
Este episódio aconteceu em
1996 em um vôo de Boeing 737-300 da “velha” Varig.Era para ser uma etapa de
pouco mais de uma hora de vôo entre Goiânia e Belo Horizonte, mas acabou se
tornando uma longa viagem.
Durante a descida para o pouso em Confins/BH,
por volta de duas da tarde, os pilotos observaram pelo radar meteorológico que
grandes nuvens haviam se formado e ocupavam praticamente toda a área sobre a
cidade e o aeroporto. A chuva, que já caia sobre a pista, estava se
intensificando, mas ainda não prejudicava tanto a visibilidade e a aproximação
foi iniciada. A turbulência sacudia o avião que ia perdendo altitude e se
aproximando da pista de pouso, os pilotos podiam sentir os fortes ventos e
mantinham-se atentos às constantes variações de potência do motor. A chuva se
intensificava e a torre reportava uma redução da visibilidade com chuva
forte,com o vento variando em sua direção e com rajadas. Ao atingir a altitude
mínima de descida do procedimento por instrumentos, com ambos os limpadores de
para-brisas atuando em velocidade máxima, não foi possível avistar a pista e uma
manobra de arremetida foi iniciada. Para os passageiros, uma arremetida é sempre
algo inesperado e desconfortável. Para os pilotos, por mais que seja uma manobra
bastante praticada em simuladores de vôo, arremeter sempre exige rapidez de ação
e raciocínio, especialmente naquelas circunstâncias em que havia nuvens pesadas
por toda a região.
Concluída a arremetida, os pilotos escolheram
uma área livre das formações meteorológicas para efetuar uma espera e analisar a
situação. O comandante efetuou um anúncio aos passageiros colocando-os a par da
situação. Alguns contatos foram feitos com a empresa para obter boletins
meteorológicos atualizados de Brasília e Galeão/RJ e para saber qual seria o
melhor aeroporto para seguir caso o pouso em Confins permanecesse impraticável.
Não havia previsão de melhora para os próximos 45 minutos, além disso, a torre
informou que o balizamento da pista acabara de apresentar problemas em função de
um raio que caíra. A decisão foi seguir para o Rio de Janeiro, pois além de
haver passageiros para lá, já que era a sequência natural daquele vôo, a
distância BH/RJ é menor que BH/Brasília e o tempo era bom tanto no Galeão quanto
no Santos Dumont.
Mas naquela tarde a coisas estavam acontecendo
com uma rapidez surpreendente, e ao se aproximar do Rio de Janeiro, aquelas
poucas nuvens que o boletim meteorológico havia informado estavam enormes! Os
pilotos não estavam gostando nem um pouco da imagem que viam na tela do radar,
CB’s e áreas de turbulência intensa em toda a região. Olharam para o indicador
de combustível e procuraram ficar tranquilos, pois estavam a 10 minutos do
pouso, seguindo um Jumbo da Air France. A exemplo do que ocorrera em Confins, os
ventos estavam se intensificando e mudando de direção. O pouso com vento de
cauda é permitido, mas somente se for de pouca intensidade, o que não era o
caso, então a “pista em uso” no Galeão foi mudada exigindo mais uma série de
proas e “vetores” para completar a aproximação. Os poucos minutos para o pouso
iriam se transformar em mais um tempo precioso e desta vez o comandante não
hesitou em pedir prioridade para o pouso, pois estava entrando numa condição de
“minimum fuel”, ou seja, com menos de 30 minutos de autonomia de vôo. Ainda
seguindo o Air France por poucas milhas na aproximação, uma nova surpresa: o
comandante do Jumbo informou ao controle de tráfego aéreo que estava arremetendo
após ter recebido um alerta de “windshear”! O Varig seguiu firme na aproximação,
ambos os pilotos atentos, torcendo para que aquele alerta fosse uma situação
momentânea e de olho na quantidade de combustível. Tesouras de vento, as
“windshears”, são potencialmente perigosas para um avião em aproximação e quando
o alerta soou na cabine do 737, não restou outra opção além de uma
arremetida!
A situação estava ficando cada vez mais
crítica,e da torre do Galeão veio a informação que as operações estavam
suspensas devido à chuva forte,e o Santos Dumont também já estava fechado para
pousos. O comandante declarou situação de emergência, e toda a prioridade foi
dada a ele. Não havendo qualquer aeroporto comercial ao alcance, a Base Aérea de
Santa Cruz passou a ser a única opção,e apesar de estar a 60 quilômetros de
distância do Galeão não estava sob efeito do mau tempo. Mantendo 5.000 pés de
altitude o voo da Varig seguiu para Santa Cruz, sempre auxiliado pelo controle
de aproximação.
Na cabine de comando há uma coletânea das
cartas de procedimentos de pouso por instrumentos dos principais aeroportos do
país, porém não das Bases Aéreas. Desta forma o comandante solicitou uma
aproximação PAR, ou seja, uma “precision approach radar”,usada normalmente na
aviação militar. Neste tipo de aproximação, o controlador de tráfego aéreo opera
um radar de precisão, que como o próprio nome diz, possui precisão suficiente
para instruir o piloto em sua aeronave até bem próximo da cabeceira da pista,
tanto em termos de distância como também de alinhamento e altitude. No último
minuto desta aproximação o controlador não para de emitir instruções, informando
as pequenas correções de proa que possam ser necessárias, bem como a altitude
que o avião deve passar a cada instante. Também é informado ao piloto o
procedimento a ser executado caso ele deixe de receber instruções por mais de 5
segundos, e por fim, o procedimento de arremetida caso não seja possível
estabelecer contato visual com a pista. Para os pilotos, arremeter não estava
nos planos, era pousar ou pousar!
Por mais que o comandante tivesse efetuado
constantes anúncios aos passageiros, ainda que os comissários procurassem se
manter confiantes e calmos, o clima na cabine de passageiros era de bastante
apreensão. Também pudera; a estas alturas já havia passado quase três horas de
voo com muita turbulência, duas arremetidas, explicações por parte da tripulação
e muita, muita expectativa.
A mil pés de altitude, voando sobre o mar, os
pilotos avistaram a pista! Um pouso suave em que a quantidade de combustível era
tão pouca que ao desacelerar o avião as luzes de “low pressure” das bombas de
combustível acenderam, numa indicação clara que não havia mais de 15 minutos de
voo! Os passageiros aplaudiram, os comissários sorriram e na cabine de comando
os pilotos trocaram olhares e cumprimentos. Muitos pensamentos passaram pela
cabeça: o azar pelo mau tempo em Confins e Galeão, a sorte pela chance em Santa
Cruz, orgulho pelo trabalho em equipe e indagações sobre o que fariam se não
conseguissem pousar na Base Aérea.
Após estacionarem o avião, outro tipo de
dificuldade surgiu, pois todas as ações a partir daquele momento dependiam de
autorização de um oficial da Força Aérea, o Comandante da Base. Por ser uma
situação inesperada,a autorização para abertura da porta do avião, abastecer e
decolar demoraram bem mais que o usual. Embora ninguém devesse desembarcar, dois
passageiros não quiseram nem pensar em permanecer a bordo, e com a autorização
do Cmt da Base Aérea, saíram do avião sem se importar onde estavam, como fariam
ou como pegariam suas malas. Duas outras dificuldades surgiram: os caminhões de
abastecimento não estavam preparados para receber um Boeing, já que os bocais
das mangueiras eram padronizados para aeronaves militares. Um velho caminhão que
abastecia o Boeing 707 da FAB teve que ser ativado. Além disso, o tempo fechou
na região da Base Aérea, e por quase uma hora, enquanto a chuva caia
torrencialmente, nada pode ser feito. Foi preciso muuuuita paciência para os
passageiros e tripulantes, já que foram quatro horas parados na Base Aérea até
que o 737 decolasse para o aeroporto do Galeão, que a estas alturas operava com
tempo bom.
O comandante, que era gaúcho de descendência
japonesa, aproveitou o tempo parado na Base Aérea,para, com a calma que é típica
dos povos orientais, escrever um relatório detalhado sobre o ocorrido. Passado
uma semana ele e o copiloto receberam em suas “pastas” uma correspondência do
Diretor de Operações, elogiando-os e parabenizando-os pela atuação e decisões em
um voo tão complicado. Atualmente o comandante daquele voo esta trabalhando em
uma empresa na China, e o copiloto, agora na função de comandante, pilota Boeing
em uma empresa Brasileira.
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