MAGAZINE SOUJAR

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

COMBUSTÍVEL MÍNIMO


Este episódio aconteceu em 1996 em um vôo de Boeing 737-300 da “velha” Varig.Era para ser uma etapa de pouco mais de uma hora de vôo entre Goiânia e Belo Horizonte, mas acabou se tornando uma longa viagem.
Durante a descida para o pouso em Confins/BH, por volta de duas da tarde, os pilotos observaram pelo radar meteorológico que grandes nuvens haviam se formado e ocupavam praticamente toda a área sobre a cidade e o aeroporto.  A chuva, que já caia sobre a pista, estava se intensificando, mas ainda não prejudicava tanto a visibilidade e a aproximação foi iniciada. A turbulência sacudia o avião que ia perdendo altitude e se aproximando da pista de pouso, os pilotos podiam sentir os fortes ventos  e mantinham-se atentos às constantes variações de potência do motor.  A chuva se intensificava e a torre reportava uma redução da visibilidade com chuva forte,com o vento variando em sua direção e com rajadas. Ao atingir a altitude mínima de descida do procedimento por instrumentos, com ambos os limpadores de para-brisas atuando em velocidade máxima, não foi possível avistar a pista e uma manobra de arremetida foi iniciada.   Para os passageiros, uma arremetida é sempre algo inesperado e desconfortável. Para os pilotos, por mais que seja uma manobra bastante praticada em simuladores de vôo, arremeter sempre exige rapidez de ação e raciocínio, especialmente naquelas circunstâncias em que havia nuvens pesadas por toda a região.
Concluída a arremetida, os pilotos escolheram uma área livre das formações meteorológicas para efetuar uma espera e analisar a situação. O comandante efetuou um anúncio aos passageiros colocando-os a par da situação. Alguns contatos foram feitos com a empresa para obter boletins meteorológicos atualizados de Brasília e Galeão/RJ e para saber qual seria o melhor aeroporto para seguir caso o pouso em Confins permanecesse impraticável. Não havia previsão de melhora para os próximos 45 minutos, além disso, a torre informou que o balizamento da pista acabara de apresentar problemas em função de um raio que caíra. A decisão foi seguir para o Rio de Janeiro, pois além de haver passageiros para lá, já que era a sequência natural daquele vôo, a distância BH/RJ é menor que BH/Brasília e o tempo era bom tanto no Galeão quanto no Santos Dumont.
Mas naquela tarde a coisas estavam acontecendo com uma rapidez surpreendente, e ao se aproximar do Rio de Janeiro, aquelas poucas nuvens que o boletim meteorológico havia informado estavam enormes! Os pilotos não estavam gostando nem um pouco da imagem que viam na tela do radar, CB’s e áreas de turbulência intensa em toda a região. Olharam para o indicador de combustível e procuraram ficar tranquilos, pois estavam a 10 minutos do pouso, seguindo um Jumbo da Air France. A exemplo do que ocorrera em Confins, os ventos estavam se intensificando e mudando de direção. O pouso com vento de cauda é permitido, mas somente se for de pouca intensidade, o que não era o caso, então a “pista em uso” no Galeão foi mudada exigindo mais uma série de proas e “vetores” para completar a aproximação. Os poucos minutos para o pouso iriam se transformar em mais um tempo precioso e desta vez o comandante não hesitou em pedir prioridade para o pouso, pois estava entrando numa condição de “minimum fuel”, ou seja, com menos de 30 minutos de autonomia de vôo. Ainda seguindo o Air France por poucas milhas na aproximação, uma nova surpresa: o comandante do Jumbo informou ao controle de tráfego aéreo que estava arremetendo após ter recebido um alerta de “windshear”! O Varig seguiu firme na aproximação, ambos os pilotos atentos, torcendo para que aquele alerta fosse uma situação momentânea e de olho na quantidade de combustível. Tesouras de vento, as “windshears”, são potencialmente perigosas para um avião em aproximação e quando o alerta soou na cabine do 737, não restou outra opção além de uma arremetida!
A situação estava ficando cada vez mais crítica,e da torre do Galeão veio a informação que as operações estavam suspensas devido à chuva forte,e o Santos Dumont também já estava fechado para pousos. O comandante declarou situação de emergência, e toda a prioridade foi dada a ele. Não havendo qualquer aeroporto comercial ao alcance, a Base Aérea de Santa Cruz passou a ser a única opção,e apesar de estar a 60 quilômetros de distância do Galeão não estava sob efeito do mau tempo.  Mantendo 5.000 pés de altitude o voo da Varig seguiu para Santa Cruz, sempre auxiliado pelo controle de aproximação.
Na cabine de comando há uma coletânea das cartas de procedimentos de pouso por instrumentos dos principais aeroportos do país, porém não das Bases Aéreas. Desta forma o comandante solicitou uma aproximação PAR, ou seja, uma “precision approach radar”,usada normalmente na aviação militar. Neste tipo de aproximação, o controlador de tráfego aéreo opera um radar de precisão, que como o próprio nome diz, possui precisão suficiente para instruir o piloto em sua aeronave até bem próximo da cabeceira da pista, tanto em termos de distância como também de alinhamento e altitude. No último minuto desta aproximação o controlador não para de emitir instruções, informando as pequenas correções de proa que possam ser necessárias, bem como a altitude que o avião deve passar a cada instante. Também é informado ao piloto o procedimento a ser executado caso ele deixe de receber instruções por mais de 5 segundos, e por fim, o procedimento de arremetida caso não seja possível estabelecer contato visual com a pista. Para os pilotos, arremeter não estava nos planos, era pousar ou pousar!
Por mais que o comandante tivesse efetuado constantes anúncios aos passageiros, ainda que os comissários procurassem se manter confiantes e calmos, o clima na cabine de passageiros era de bastante apreensão. Também pudera; a estas alturas já havia passado quase três horas de voo com muita turbulência, duas arremetidas, explicações por parte da tripulação e muita, muita expectativa.
A mil pés de altitude, voando sobre o mar, os pilotos avistaram a pista! Um pouso suave em que a quantidade de combustível era tão pouca que ao desacelerar o avião as luzes de “low pressure” das bombas de combustível acenderam, numa indicação clara que não havia mais de 15 minutos de voo! Os passageiros aplaudiram, os comissários sorriram e na cabine de comando os pilotos trocaram olhares e cumprimentos. Muitos pensamentos passaram pela cabeça: o azar pelo mau tempo em Confins e Galeão, a sorte pela chance em Santa Cruz, orgulho pelo trabalho em equipe e indagações sobre o que fariam se não conseguissem pousar na Base Aérea.
Após estacionarem o avião, outro tipo de dificuldade surgiu, pois todas as ações a partir daquele momento dependiam de autorização de um oficial da Força Aérea, o Comandante da Base. Por ser uma situação inesperada,a autorização para abertura da porta do avião, abastecer e decolar demoraram bem mais que o usual. Embora ninguém devesse desembarcar, dois passageiros não quiseram nem pensar em permanecer a bordo, e com a autorização do Cmt da Base Aérea, saíram do avião sem se importar onde estavam, como fariam ou como pegariam suas malas. Duas outras dificuldades surgiram: os caminhões de abastecimento não estavam preparados para receber um Boeing, já que os bocais das mangueiras eram padronizados para aeronaves militares. Um velho caminhão que abastecia o Boeing 707 da FAB teve que ser ativado. Além disso, o tempo fechou na região da Base Aérea, e por quase uma hora, enquanto a chuva caia torrencialmente, nada pode ser feito. Foi preciso muuuuita paciência para os passageiros e tripulantes, já que foram quatro horas parados na Base Aérea até que o 737 decolasse para o aeroporto do Galeão, que a estas alturas operava com tempo bom.
O comandante, que era gaúcho de descendência japonesa, aproveitou o tempo parado na Base Aérea,para, com a calma que é típica dos povos orientais, escrever um relatório detalhado sobre o ocorrido. Passado uma semana ele e o copiloto receberam em suas “pastas” uma correspondência do Diretor de Operações, elogiando-os e parabenizando-os pela atuação e decisões em um voo tão complicado.      Atualmente o comandante daquele voo esta trabalhando em uma empresa na China, e o copiloto, agora na função de comandante, pilota Boeing em uma empresa Brasileira.
Fonte: Cmte Roberto Carvalho

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Uma empresa aérea da envergadura da Varig contou com pessoas que a ela se dedicaram com o maior afinco, muitas delas abandonadas à própria sorte, ao ver que a tão sonhada aposentadoria do Aerus voou, da mesma forma que ocorreu com parte dos seus qualificados profissionais. A grande massa de aposentados continua desamparada pelo Estado e à mercê das decisões judiciais. Talvez demore tanto para chegar que não possa suprir as necessidades para sua sobrevivência, como vem ocorrendo com aqueles que necessitam de remédios ou tratamentos especiais de saúde e o que já aconteceu aos mais de 500 aposentados que morreram à espera de solução. 
Essa aeronave começou a voar em 1936, pela American Airlines, e passou por múltiplos operadores antes de chegar ao Brasil, onde voou na Real Aerovias (posteriormente comprada pela Varig). Para se ter uma ideia da popularidade da aeronave, na década de 1940, mais de 90% dos voos nos EUA eram feitos com DC-3. Ela é equipada com dois motores radiais PW de 14 cilindros, que atingem até 270 km/h em voo de cruzeiro, com uma autonomia de 9h. Sua capacidade era para 32 passageiros.
Hoje pertence ao museu da Varig fechado em 2005 e ficou abandonado ao lado do prédio do museu até que foi enfim restaurado.

domingo, 8 de abril de 2018

757 o Foguete

Boeing 757, o foguete de Seattle

    POR AVIÕES E MUSICAS
Dinar / Air 2000 Boeing 757-2Y0
Dinar / Air 2000 Boeing 757-2Y0
Quando estreei na aviação, como agente de tráfego (também conhecido como agente de aeroporto e até erroneamente como despachante), o primeiro avião que trabalhei me marcou bastante! E é sobre ele que vou dissertar, o Boeing 757!
Desde 10 de Janeiro, quando pela primeira vez pisei no 757-200 de prefixo G-OOOX, operado pela Dinar Líneas Aereas que havia sido arrendado da empresa AIR2000 (mais tarde First Choice), me impressionei com a finura e comprimento daquela aeronave, e que neste modelo específico (G-OOOX) era configurado para 236 passageiros! Mas de onde vinha o tal 757?
Em 1978, a Boeing anunciava que estava de “vento em popa” com o projeto do 7N7! A missão dele? Substituir o consagradíssimo Boeing 727, o qual seria um pouco mais longo e teria motores mais modernos! Mas a Boeing tinha um avião a combater, o Airbus A300, que já era bem sucedido e para isso a Boeing desenvolvia o 7X7, que seria um “A300” da Boeing, ou seja fuselagem larga, bimotor, longo alcance. Posteriormente o 7X7 se revelou, seria o Boeing 767-200, modelo este introduzido no Brasil em 1983 pela saudosa TRANSBRASIL. Mas as empresas ao verem o 767, gritaram para a Boeing que o 7N7 não deveria ser um 727 modernizado, mas sim um avião novo, inclusive parecido com o 767! O recado foi entendido e o 7N7 se transformou no Boeing 757-200, um avião comprido, fino, semelhante ao 727, mas cuja semelhança parava por aí, a capacidade de passageiros era bem maior, era bimotor, cabine de comando idêntica ao 767, inclusive com habilitação conjunta para os tripulantes voarem 757 e 767!
E finalmente em Agosto de 1978 o 757 foi lançado! O seu protótipo indicava até uma “bandeira” da TRANSBRASIL entre os clientes lançadores (seriam 9 unidades, mas não se confirmaram), dois motores foram disponibilizados ao 757, o Rolls-Royce RB211-535 e o GE CF6-32C, mas o GE teve seu desenvolvimento cancelado e aí a segunda opção de motorização foi o Pratt & Whitney PW2037. A aeronave fez seu primeiro vôo em 18 de Fevereiro de 1982 e as entregas se deram para a Eastern Airlines dos EUA em Dezembro de 1982 e para a British Airways em Janeiro de 1983, sendo estas as lançadoras do tipo.
Sua performance impressiona! Com desempenho de foguete durante a decolagem, o 757 é sem dúvidas um avião “supermotorizado”, com potência de sobra! Lembro muito bem de um falecido amigo, o saudoso Cmte.Johansson (Ex.TRANSBRASIL, OceanAir, ABSA e TRIP) se referir ao 757 como “jeito de 767 com pilotagem de 737!”. Um avião marcante para seus pilotos, que simplesmente o adoravam. No entanto apesar de ser um avião cativante tanto “para os operadores como os tripulantes, tendo sido lançado em versão de passageiros, carga e combi, as vendas foram lentas, e somente na segunda metade dos anos 80 é que o tipo se firmou com encomendas em largo número por parte da American Airlines e pela Delta. Em 1988 a TRANSBRASIL tentou mais uma vez ter o 757, desta vez como cargueiro, os aviões chegaram a ser construídos como 757-2Q4F, mas não foram recebidos pela TBA, indo parar na Challenge Air Cargo.
O avião se tornou um sucesso ao redor do planeta, com diversos operadores, principalmente os charters, que viram no 757 um avião de sucesso para este tipo de negócio! Em 1996 a Boeing lançou em Farnborouhg, uma nova versão, o 757-300, versão alongada e capacidade de passageiros de até 289 pessoas! A alemã Condor fez uma encomenda de 12 757-300, e posteriormente Arkia e Continental encomendaram este tipo que voou a primeira vez em Agosto de 1998. O 757-300 detém o título de mais longa cabine de passageiros em aeronaves narrow-body e teve sua produção encerrada em Abril de 2004, com apenas 55 unidades entregues.
No Brasil o 757 não teve sucesso comercial. Apenas 5 unidades de passageiros foram operadas, 4 pela VARIG e 1 pela OceanAir. Por outro lado, 757 cargueiro teve mais unidades operadas pela VARIGLOG, precisamente 7. Portanto o Brasil teve doze 757 registrados no seu RAB. Regularmente era operado pela AVIANCA e AEROMÉXICO, além dos hermanos Argentinos que operavam o tipo em charters em Florianópolis, Maceió, Salvador e Porto Seguro, como a LAPA (com motores PW) e a DINAR (com aviões oriundos da MONARCH, AIR2000, estes com motores RB211-535).
Varig Boeing 757-256 PP-VTR
Na VARIG o 757 chegou em 4 unidades (PP-VTQ, PP-VTR, VTS, VTT), todas ex-IBÉRIA, tinham motores RB211, cujo som é mágico! Estes aviões voaram com 178 passageiros e se imortalizaram em uma rota da VARIG que fazia MAO-BEL-FOR-REC-SSA-GIG-EZE, o RG8614/8615. Voou também em outros trechos, com sua boa capacidade de carga! Já a OceanAir trouxe o PR-ONF, um 757 diferente dos da VARIG, possuia winglets, e teria missão de efetuar voos GRU-LIM, no entanto não deu certo e o avião ficou perdido na malha da empresa, chegando a operar BSB-JPA-REC, sendo a última perna um verdadeiro crime com a aeronave. Acabou que o PR-ONF ficou mesmo foi meses estocado em Porto Alegre, até que o Synergy Group decidiu encaminhar o avião para a Avianca Colombia e depois para AeroGal do Ecuador, de onde saiu recentemente para Europa! E como citado antes a TRANSBRASIL demonstrou interesse nsse avião e até a operação charter da PASSAREDO quase teve o 757. A TRANSBRASIL queria ter 12 aviões apenas, que seriam 3 767-200 e 9 757-200, com os quais efetuariam uma malha de densidade no Brasil, não deu certo e a frota padrão da TRANSBRASIL acabou sendo os 767-200, 737-300/400. Houve intenções, as quais não sabemos se chegariam ao fim, de uma operação SDU/CGH com o 757, pela VARIG, e que o avião seria capaz disso!
Será? Não sabemos se isso é verdade ou se foi AFA elevada a categoria realidade.

VarigLog Boeing 757-225(PCF)
VarigLog Boeing 757-225(PCF) PR-LGK
Em 2003, a Boeing optou por encerrar a fabricação do modelo, depois de mais de 1000 unidades comercializadas! Um verdadeiro sucesso. Hoje o 757 encontrou o seu grande nicho na FEDEX por exemplo, curiosamente para substituir o tipo para o qual o 757 nasceu: O Boeing 727!
Este avião permanecerá popular muitos anos nos céus, pela sua versatilidade, economia e performance!
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Sobre o Autor


Alexandre Conrado, pesquisador de aviação e profissional no segmento desde 2001