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quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Nos céus sem a Varig - Parte 3 - Conclusão


Nossos céus sem a Varig
Os problemas da Varig ficaram por demais agudos. Sem dinheiro, a frota foi ficando despadronizada e hoje é antiquada. Dos 71 aviões, pouco mais de 50 estão voando regularmente. Os outros ficam no chão, contratos de leasing arrastando-se e somando-se ao gigantesco rol de dívidas a cada dia. Os funcionários trabalham num clima péssimo, com salários atrasados e ameaças constantes de cortes de pessoal. Não há dinheiro para mais nada. A Varig não tem mais salvação técnica. Resta apenas um milagre na área política. Mas Brasília já mostrou não ter qualquer plano de salvação para a Varig. Todos os que um dia já foram interessados em equacionar a situação, dos acessores ao Ministro da Defesa, não estão mais em seus cargos ou vivem eles próprios dificuldades políticas. Agora a única contribuição do governo parece ser a organização de um plano B, sem poder contra com as aeronaves da Varig. A ANAC convocou no comeco de abril, os presidentes da TAM, Gol, Oceanair e BRA para, juntos, traçar planos de ação no caso da quebra da Varig. No caso do mercado doméstico, isso não será difícil. TAM, Gol, Oceanair e BRA já operam com capacidade ociosa e nas próximas semanas, receberão mais 10 jatos. Os menos de 18% de participação da Pioneira no mercado doméstico seriam absorvidos de forma rápida e praticamente indolor para o público viajante, redistribuídos entre as sobreviventes. Nenhuma cidade brasileira, nenhum par de cidades ficaria sem serviços aéreos. No caso dos vôos internacionais, a situação é totalmente inversa. A Varig domina mais de 70% da oferta internacional dentre as companhias aéreas brasileiras. Nesse cenário, nem a TAM nem a Gol possuem aeronaves para cobrir o trabalho dos Boeings e MD-11 da Varig. Nos mercados internacionais, as outras aéreas brasileiras não podem simplesmente tomar para sí as rotas da Varig. Acordos bilaterais de tráfego, firmados entre o Brasil e os países para os quais temos serviços regulares, têm de ser honrados. Cabe ao governo brasileiro designar a operadora e ao governo estrangeiro aceitar ou não essa designação. Os governos dos países onde a Pioneira deixaria de operar teriam que ser consultados e permitir a substituição da Varig pela Gol, TAM, BRA e Oceanair. Nas rotas sul-americanas, isso não será tão difícil: com algum esforço, a Gol e a TAM poderiam suprir o mercado deslocando para esses vôos alguns de seus A320 e 737-800. A Oceanair, poderia também entrar para ajudar, voando entre Brasil e Colombia em curtíssimo prazo. No caso dos longos vôos intercontinentais, a situação se complica. A TAM não tem aeronaves de grande capacidade em número suficiente para substituir todos os serviços da Varig, sobretudo num curto prazo de tempo. É bom lembrar também que estas empresas estrangeiras, embora possuam centenas de aviões em suas frotas, tampouco dispõem de capacidade ociosa. Levaria algumas semanas ou até meses para que elas pudessem incrementar os vôos de e para o Brasil, mesmo em caráter provisório. Nesse caso, não é exagero imaginar a deprimente cena de ver passageiros da Varig obrigados a dormir nos saguões dos aeroportos de Milão, Frankfurt, Londres, New York, Miami. Como nenhuma das aeronaves de longo curso da Varig são de sua propriedade, (todas voam em caráter de leasing operacional) o cenário mais provável é que seus donos tratem imediatamente de retomá-las para sí e arrendá-las a outras operadoras. Entre outros motivos, porque tanto os 777 como os MD-11, sobretudo estes, têm muita procura no mercado internacional. Para a TAM, assumir os vôos internacionais da Varig seria mais complicado: a empresa voa somente Airbus e Fokker, nunca operou nenhum Boeing ou MD-11. Como segunda colocada em vôos intercontinentais, a TAM já opera para os Estados Unidos e Europa e seria a solução mais lógica para herdar os vôos intercontinentais da Varig. Em questão de meses e com a ajuda de arrendadores e da própria Airbus, ela poderia receber alguns A330, A340 ou até mesmo A310 e cumprir a maior parte dos vôos da Varig para a Europa e Estados Unidos. A Gol opera somente Boeings, mas não tem experiência nem perfil de negócio para assumir vôos em caráter "full-service", em diferentes classes, em vôos longos. Isso poderia mudar, mas não seria da noite para o dia. Porque a Varig não conseguirá se recuperarA empresa anunciou na segunda semana de abril de 2006 que iria devolver 15 de seus 71 aviões. Com uma frota reduzida para pouco mais de 50 aeronaves, a empresa retrocede a um tamanho que tinha no início da década de 70. E empresa aérea nenhuma conseguiu sobreviver encolhendo. Ao contrário: encolher acelera a deterioração do quadro, pois são menos assentos, menos oferta, menor capacidade geradora de recursos para amortizar as dívidas contraídas. Como muitos custos fixos são mantidos, os ganhos em despesas diretas reduzidas são mais do que perdidos com o aumento dos custos relativos por assento-kilometro oferecidos.A Varig anunciou que irá concentrar sua oferta em vôos internacionais. Empresa nenhuma que adotou essa estratégia sobreviveu, sendo a Pan Am o caso mais evidente: grande no internacional, pequena no doméstico, a PA morreu pois não conseguia alimentar suas rotas de longo curso com conexões domésticas eficientes. E vôos internacionais só dão lucro com taxas de ocupação elevadas, o que só acontece com um sistema de alimentação eficaz, com o qual a Varig aora não mais pode contar.Outros dois motivos que impedem a recuperação da empresa: a Varig vendeu suas duas divisões mais lucrativas. A Variglog, sua divisão de carga, e a VEM, Varig Engenharia e Manutenção. Agora, a Varig terá de pagar um preço mais elevado para fazer a manutenção de suas aeronaves, visto que a VEM irá, por ser uma empresa independente, buscar resultados positivos. E como ambas eram divisões que geravam receita, elas agregavam valor ao grupo, algo fundamental na propalada intenção de encontrar um parceiro investidor. Dois outros motivos empurram a Varig inexoravelmente para o buraco: TAM e Gol. Ambas fortes, capitalizadas, com ótima imagem junto aos usuários e modelos de gestão mais profissionais, enxutos e competentes que a Varig. Ambas com planos de expansão ambiciosos, em plena execução. A Gol tem 101 jatos 737 encomendados, com entregas começando em questão de semanas. A TAM tem mais de 30 Airbus, dos modelos A320 e A350 encomendados. Ambas têm muito crédito no mercado, ao passo que a Varig vê apenas portas fechadas junto aos organismos e instituições de crédito internacionais. Por fim, é sabido que em qualquer país sério, a Varig já teria fechado as portas há muito tempo, e seus executivos provavelmente estariam presos, pela ruinosa e inconsequente administração que fizeram. Quando funcionários da empresa vão a Brasília pedir ajuda, e protestam quando o Governo lhes nega, eles se esquecem das dívidas não pagas pela empresa nos últimos anos. Quisesse o Governo, essas dívidas com a Infraero (mais de US$ 200 milhões) ou com a BR Distribuidora, teriam sido executadas há tempos e a Varig já teria fechado. Por essas e por outras é que é obra de ficção acreditar numa possível recuperação da Varig. Seja como for, só há uma certeza: o fim da Varig é uma tragédia. Para os milhares de funcionários, colaboradores e seus dependentes. Para o usuário, que perderia uma empresa respeitável, que com sua própria existência, ainda permite alguma competição no mercado doméstico. E para os amantes da aviação, que assistem ao triste apagar da nossa Estrela Brasileira.

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