Sem amparo, aposentados da Varig lutam para receber pensão
Durante 24 anos ininterruptos, a ex-comissária de bordo Elizabeth Ferreira de Oliveira, que prefere ser chamada de Elizabeth Feoli, voou o país inteiro pelas asas da antiga Varig. Há alguns anos, a vida da aposentada de 58 anos, assistida pelo plano de previdência privada Aerus, despencou em queda livre. Desde a falência da então maior companhia de aviação do Brasil, Elizabeth sobrevive com menos de 15% do que teria direito a receber pelo plano com o qual contribuiu durante grande parte da sua profissão. Na luta contra um câncer de ovário, ela desabafou ao JB que tem a sorte de poder contar com a ajuda dos amigos, que contribuem com remédios e a alimentação necessária para combater a doença.
Assim como Elizabeth, cerca de 12 mil assistidos do fundo de pensão Aerus, o maior credor privado do processo de recuperação judicial da Varig, foram obrigados a viver uma dramática velhice sem receber o que lhes é devido. São pessoas que, durante grande parte das suas carreias, contribuíram com quantias que chegaram a ultrapassar 60% das suas rendas mensais, sem mencionar os valores que eram retidos na fonte. Hoje, esses aposentados em guerra enviam incansáveis cartas para autoridades distintas, na esperança de que o processo de defasagem tarifária da companhia – que já tramita há seis anos no judiciário - seja julgado.
Foto: Douglas Shineidr/Jornal do Brasil
Engatilhado por essa via-crúcis, o efeito colateral é de um aumento de 50% na taxa de mortalidade do grupo. De acordo com a Associação dos Participantes e Beneficiários do Aerus (Aprus), foram registradas 627 mortes, em um grupo de pouco menos de 9 mil associados do fundo de pensão, desde 2006 para cá. A senadora Ana Amélia (PP-RS) chamou atenção para o número, lembrando que no próximo dia 12 de abril, completam-se seis anos que o processo tramita sem ser julgado.
“São seis anos de espera angustiante, frustrante e dolorida, porque essas pessoas estão vivendo com grandes dificuldades financeiras, muitas até em situação de penúria”, apelou. “São 627 funcionários da antiga Varig que já morreram sem ver a solução para esse grave problema – 627 funcionários, entre comandantes, comissários de bordo e outros servidores que participavam do Fundo Aerus”.
De acordo com os aposentados, a falha foi na fiscalização do governo. O ex-mecânico de voo Carlos Gouvêa, 71, conta que entre os anos de 1994 e 2001, foram feitos 21 empréstimos inconstitucionais do Aerus para a Varig, sob a vigília da então Secretaria de Previdência Complementar, hoje extinta, que tinha como função fiscalizar o fundo de pensão.
“O grande mal que foi feito é que eles [governo] mataram a perspectiva de uma vida inteira, pessoas que fizeram sacrifícios para ter direito à aposentadoria e viram tudo ir por água abaixo”, afirmou Gouvêa. “Nossos direitos foram cerceados e agora temos que pedir que façam o ‘favor’ de resolver o problema que eles mesmos criaram”.
Situação dos aposentados
Desde a falência da Varig, Elizabeth Feoli, mesmo aposentada, não deixou de trabalhar – precisava complementar a pouca renda que recebe até hoje. “Eu estou vivendo com a ajuda das pessoas, que compram remédios e alimentos para eu poder viver. Eu vi 27 mil reais da minha poupança se liquidar com o tempo. Mas nesse período, eu trabalhei - fiz bijuteria para vender, tive que correr da Guarda Municipal”, contou.
Assim como Elizabeth, Alcides Gama trabalhou durante 30 anos como supervisor de suprimentos na Varig e hoje trabalha como motorista para complementar a renda familiar. “Eu fui sócio-fundador do Aerus. Deveria receber R$ 1.800 de pensão quando, na realidade, recebo menos de R$ 300”.
O Aerus começou oferecendo um primeiro plano de aposentadoria, que foi chamado plano I. Depois surgiu o plano II, para o qual muitos funcionários acabaram migrando. Quem não fez a migração, contam os aposentados, é quem menos recebe pensão hoje – chega a ter redução de 80% nos valores que lhes é devido.
“Quem é do plano I recebe muito menos. Minha mãe é uma dessas pessoas, ela tem 90 anos. Meu pai, que era aeroviário, morreu deixando uma pensão de R$ 111. Quanto mais velho se é, menos se recebe”, comentou, revoltado, o ex-piloto Luiz Sotomayor.
Consumidor também pagou a conta
Entre as reservas que eram destinadas à aposentadoria dos funcionários, estava uma taxa de 3% que era cobrada na venda das passagens. Em 1992, para diminuir os gastos da companhia frente a uma iminente recessão, essa fonte foi cancelada e não era mais repassada ao fundo de pensão dos funcionários. Os valores das passagens, no entanto, não foram reajustados, denunciaram os aposentados.
Fonte: Jornal do Brasil
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