MAGAZINE SOUJAR

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Nos céus sem a Varig - Parte 3 - Conclusão


Nossos céus sem a Varig
Os problemas da Varig ficaram por demais agudos. Sem dinheiro, a frota foi ficando despadronizada e hoje é antiquada. Dos 71 aviões, pouco mais de 50 estão voando regularmente. Os outros ficam no chão, contratos de leasing arrastando-se e somando-se ao gigantesco rol de dívidas a cada dia. Os funcionários trabalham num clima péssimo, com salários atrasados e ameaças constantes de cortes de pessoal. Não há dinheiro para mais nada. A Varig não tem mais salvação técnica. Resta apenas um milagre na área política. Mas Brasília já mostrou não ter qualquer plano de salvação para a Varig. Todos os que um dia já foram interessados em equacionar a situação, dos acessores ao Ministro da Defesa, não estão mais em seus cargos ou vivem eles próprios dificuldades políticas. Agora a única contribuição do governo parece ser a organização de um plano B, sem poder contra com as aeronaves da Varig. A ANAC convocou no comeco de abril, os presidentes da TAM, Gol, Oceanair e BRA para, juntos, traçar planos de ação no caso da quebra da Varig. No caso do mercado doméstico, isso não será difícil. TAM, Gol, Oceanair e BRA já operam com capacidade ociosa e nas próximas semanas, receberão mais 10 jatos. Os menos de 18% de participação da Pioneira no mercado doméstico seriam absorvidos de forma rápida e praticamente indolor para o público viajante, redistribuídos entre as sobreviventes. Nenhuma cidade brasileira, nenhum par de cidades ficaria sem serviços aéreos. No caso dos vôos internacionais, a situação é totalmente inversa. A Varig domina mais de 70% da oferta internacional dentre as companhias aéreas brasileiras. Nesse cenário, nem a TAM nem a Gol possuem aeronaves para cobrir o trabalho dos Boeings e MD-11 da Varig. Nos mercados internacionais, as outras aéreas brasileiras não podem simplesmente tomar para sí as rotas da Varig. Acordos bilaterais de tráfego, firmados entre o Brasil e os países para os quais temos serviços regulares, têm de ser honrados. Cabe ao governo brasileiro designar a operadora e ao governo estrangeiro aceitar ou não essa designação. Os governos dos países onde a Pioneira deixaria de operar teriam que ser consultados e permitir a substituição da Varig pela Gol, TAM, BRA e Oceanair. Nas rotas sul-americanas, isso não será tão difícil: com algum esforço, a Gol e a TAM poderiam suprir o mercado deslocando para esses vôos alguns de seus A320 e 737-800. A Oceanair, poderia também entrar para ajudar, voando entre Brasil e Colombia em curtíssimo prazo. No caso dos longos vôos intercontinentais, a situação se complica. A TAM não tem aeronaves de grande capacidade em número suficiente para substituir todos os serviços da Varig, sobretudo num curto prazo de tempo. É bom lembrar também que estas empresas estrangeiras, embora possuam centenas de aviões em suas frotas, tampouco dispõem de capacidade ociosa. Levaria algumas semanas ou até meses para que elas pudessem incrementar os vôos de e para o Brasil, mesmo em caráter provisório. Nesse caso, não é exagero imaginar a deprimente cena de ver passageiros da Varig obrigados a dormir nos saguões dos aeroportos de Milão, Frankfurt, Londres, New York, Miami. Como nenhuma das aeronaves de longo curso da Varig são de sua propriedade, (todas voam em caráter de leasing operacional) o cenário mais provável é que seus donos tratem imediatamente de retomá-las para sí e arrendá-las a outras operadoras. Entre outros motivos, porque tanto os 777 como os MD-11, sobretudo estes, têm muita procura no mercado internacional. Para a TAM, assumir os vôos internacionais da Varig seria mais complicado: a empresa voa somente Airbus e Fokker, nunca operou nenhum Boeing ou MD-11. Como segunda colocada em vôos intercontinentais, a TAM já opera para os Estados Unidos e Europa e seria a solução mais lógica para herdar os vôos intercontinentais da Varig. Em questão de meses e com a ajuda de arrendadores e da própria Airbus, ela poderia receber alguns A330, A340 ou até mesmo A310 e cumprir a maior parte dos vôos da Varig para a Europa e Estados Unidos. A Gol opera somente Boeings, mas não tem experiência nem perfil de negócio para assumir vôos em caráter "full-service", em diferentes classes, em vôos longos. Isso poderia mudar, mas não seria da noite para o dia. Porque a Varig não conseguirá se recuperarA empresa anunciou na segunda semana de abril de 2006 que iria devolver 15 de seus 71 aviões. Com uma frota reduzida para pouco mais de 50 aeronaves, a empresa retrocede a um tamanho que tinha no início da década de 70. E empresa aérea nenhuma conseguiu sobreviver encolhendo. Ao contrário: encolher acelera a deterioração do quadro, pois são menos assentos, menos oferta, menor capacidade geradora de recursos para amortizar as dívidas contraídas. Como muitos custos fixos são mantidos, os ganhos em despesas diretas reduzidas são mais do que perdidos com o aumento dos custos relativos por assento-kilometro oferecidos.A Varig anunciou que irá concentrar sua oferta em vôos internacionais. Empresa nenhuma que adotou essa estratégia sobreviveu, sendo a Pan Am o caso mais evidente: grande no internacional, pequena no doméstico, a PA morreu pois não conseguia alimentar suas rotas de longo curso com conexões domésticas eficientes. E vôos internacionais só dão lucro com taxas de ocupação elevadas, o que só acontece com um sistema de alimentação eficaz, com o qual a Varig aora não mais pode contar.Outros dois motivos que impedem a recuperação da empresa: a Varig vendeu suas duas divisões mais lucrativas. A Variglog, sua divisão de carga, e a VEM, Varig Engenharia e Manutenção. Agora, a Varig terá de pagar um preço mais elevado para fazer a manutenção de suas aeronaves, visto que a VEM irá, por ser uma empresa independente, buscar resultados positivos. E como ambas eram divisões que geravam receita, elas agregavam valor ao grupo, algo fundamental na propalada intenção de encontrar um parceiro investidor. Dois outros motivos empurram a Varig inexoravelmente para o buraco: TAM e Gol. Ambas fortes, capitalizadas, com ótima imagem junto aos usuários e modelos de gestão mais profissionais, enxutos e competentes que a Varig. Ambas com planos de expansão ambiciosos, em plena execução. A Gol tem 101 jatos 737 encomendados, com entregas começando em questão de semanas. A TAM tem mais de 30 Airbus, dos modelos A320 e A350 encomendados. Ambas têm muito crédito no mercado, ao passo que a Varig vê apenas portas fechadas junto aos organismos e instituições de crédito internacionais. Por fim, é sabido que em qualquer país sério, a Varig já teria fechado as portas há muito tempo, e seus executivos provavelmente estariam presos, pela ruinosa e inconsequente administração que fizeram. Quando funcionários da empresa vão a Brasília pedir ajuda, e protestam quando o Governo lhes nega, eles se esquecem das dívidas não pagas pela empresa nos últimos anos. Quisesse o Governo, essas dívidas com a Infraero (mais de US$ 200 milhões) ou com a BR Distribuidora, teriam sido executadas há tempos e a Varig já teria fechado. Por essas e por outras é que é obra de ficção acreditar numa possível recuperação da Varig. Seja como for, só há uma certeza: o fim da Varig é uma tragédia. Para os milhares de funcionários, colaboradores e seus dependentes. Para o usuário, que perderia uma empresa respeitável, que com sua própria existência, ainda permite alguma competição no mercado doméstico. E para os amantes da aviação, que assistem ao triste apagar da nossa Estrela Brasileira.

Nos céus sem a Varig - Parte 2 - Ameaças domésticas


Ameaças domésticas
O poderio da Pioneira começava a ser ameaçado também em sua casa. Em primeiro lugar, pela desastrada interferência do Governo federal na economia. Os planos Verão 1 e Verão 2, decretados em 1986 pelo presidente Sarney e seus ministros Dilson Funaro e Bresser Pereira, congelaram os preços das passagens, mas não os custos das aéreas. De certa forma, a Varig foi beneficiada ante a concorrência, pois durante os congelamentos, mais de 60% de sua receita não foi congelada, pois estava atrelada ao dólar (venda de passagens internacionais). De qualquer forma, a Varig moveu ação contra o Governo, ação esta já ganha em primeira instância. Brasília terá de pagar à Varig, mais cedo ou mais tarde, algo em torno de R$ 4,5 bilhões, da mesma maneira que já pagou R$ 750 milhões à Transbrasil em 1998.Além das trapalhadas em Brasília, a Varig começou a enfrentar no mercado doméstico, uma nova e ameaçadora concorrente. A entrada em operação do Fokker 100 da TAM em aeroportos centrais, Congonhas, Pampulha e Santos Dumont, começou a agitar o sonolento equilíbrio do mercado doméstico, por décadas dividido fraternalmente entre Vasp, Varig e Transbrasil. Em abril desse mesmo fatídico 1990, morreu o último grande presidente da Varig, Hélio Smidt. Quinto presidente da empresa em 53 anos, Smidt foi substituído por seu braço direito, Rubel Thomas que, como a história mostraria, foi o primeiro presidente da Varig a ser demitido do cargo. Thomas assumiu e logo depois, em janeiro de 1991, a Guerra do Golfo jogou o setor numa recessão sem precedentes. Foi o primeiro ano na história da IATA em que o tráfego recuou. Thomas, ao contrário do que seria prudente, ampliou a frota, encomendando dezenas de novas aeronaves, entre elas os novos 747-400. A instabilidade política no Brasil, a inflação galopante e os planos milagrosos de Collor & Cia. Ltda. cobraram seu preço: a aviação no Brasil enfrentou grave crise, com número decrescente de viajantes. A Varig só fazia crescer suas dívidas. "Conosco ninguém pode". A Vasp expandia de fora aparentemente imprudente seus serviços e frota, conquistando novas rotas intercontinentais a cada mês: Bruxelas, Osaka, Atenas, Casablanca, Miami, New York, Los Angeles e Frankfurt, apenas para citar algumas. Hoje conhece-se o "milagre": a CERNAI, órgão que define a política de divisão de mercado da aviação internacional, era dirigida por pessoas que faziam parte da "folha de pagamentos" da Vasp de Wagner Canhedo, testa de ferro de P. C. Farias. Alguns destes profissionais, após deixarem a CERNAI, passaram despudoradamente a trabalhar na própria Vasp. A Varig via-se, pela primeira vez em décadas, do lado errado do poder. Desacostumada com a inusitada situação, não reagiu como deveria. Some-se a isso o fato que em janeiro de 1992, os Electra deixaram a Ponte Aérea para sempre. A partir daí, a participação da Varig na mais lucrativa e prestigiosa rota de nossa aviação só declinou. O perigo também era vermelho. Com um serviço mais dedicado, custos mais controlados, salários menores e aeronaves mais eficientes em trechos curtos, a TAM começou a ganhar muito dinheiro em detrimento da participação das "três grandes", que coletivamente ainda desdenhavam de Rolim Adolfo Amaro e de seus modestos Fokker 100. De patinho feio, de "regional metida a grande" como definia um dos barões do setor, a TAM foi ganhando espaço das três grandes no mercado doméstico. Aparentemente ainda sem acreditar em tudo isso, a Varig começou a perder dinheiro, muito dinheiro. A primeira solução para recapitalizar a empresa foi vender, para bancos e empresas de leasing, suas próprias aeronaves e e arrendá-las de volta, numa operação conhecida como "Sale and lease-back". A Pioneira, que era dona de considerável frota de DC-10, 747, 767, 737 e 727 passou a pagar aluguel para voar os aviões que antes eram seus. Mesmo assim, em 1994, a situação ficou tão insustentável que pela primeira vez, a Varig teve de devolver aeronaves: os novíssimos Boeing 747-400, orgulho maior da frota da Pioneira, recebidos em 1991, foram devolvidos aos arrendadores. A Varig começava a encolher, mas não perdia a pose. A FRB parece ter ficado chocada com o quadro e demitiu Rubel Thomas em abril de 1995. Em seu lugar, entrou Carlos Engels, que durou pouco tempo. Em 1996, o engenheiro Fernando Abs Pinto tornou-se o oitavo presidente da Varig. Nessa época, a Fundação Ruben Berta já havia, de fato, tomado para sí as decisões estratégicas da empresa. Os executivos da Varig, alguns mais, outros menos, eram meros executores, títeres das políticas ditadas pela FRB. Fernando Pinto havia feito um ótimo trabalho como presidente da Rio-Sul e obviamente tentou repetir a dose. Mas ficou claro que a FRB, presidida por Yutaka Imagawa, tinha outras interesses. Uma longa e surda luta pelo poder foi consumindo os esforços de Fernando Pinto e da própria companhia. A FRB, eleita por colegiado, mostrava-se absolutamente anacrônica. Sua estrutura de poder, constituída através do voto, ensejava o estabelecimento de "currais", as famosas igrejinhas. O poder era feudal, descentralizado, dividindo a Varig em vassalos e suseranos, isso já no limiar do ano 2000. Na prática, ninguém agia como dono, ninguém tomava as decisões mais difíceis. Ninguém trabalhava com o zêlo, com a firmeza necessária. Ninguém controlava resultado algum. Eficiência e economia, rentabilidade e adequação de oferta à procura não eram perseguidas com o rigor necessário. A empresa era administrada como se não enfrentasse concorrentes, como se por poder divino houvesse uma determinação que dissesse que os céus brasileiros seriam sempre cruzados pelas aeronaves com a rosa dos ventos na cauda. Demissões, por exemplo: nem pensar. Hoje, com menos de 50 jatos em operação, a Varig tem o dobro de funcionários da TAM, cuja frota já é praticamente o dobro da sua. A Pioneira era dirigida como uma autarquia, como uma ineficiente empresa estatal. Por exemplo: anos após a devolução dos jatos Embraer 145, as tripulações desses jatos continuam empregadas, recebendo salários, mesmo sem voar. Nos primeiros anos do governo FHC, veio uma passageira bonança: o dólar equiparado ao Real foi uma bênção para o setor, e sobretudo para a Varig, cada vez mais endividada em moedas fortes. Mas o que fez a companhia? Embarcou em outra onda de expansão, comprando o controle da Nordeste, trazendo novas aeronaves, crescendo a qualquer custo. O fim da paridade cambial em 1999 foi um golpe duro. O dólar chegou a quase R$ 4,00, debilitando o já minguado caixa da companhia. O ano que mudou tudoNo começo de 2001, ocorreram dois fatos que teriam profundas repercussões. Em janeiro, a Gol entrou no mercado doméstico. Desacreditada a princípio, roubou mercado de todas, inclusive da TAM. Em março de 2001, a TAM roubou da Varig a primeira posição no mercado doméstico, algo que não acontecia desde 1961. Nesse ano fatídico, em julho morreu o cmte. Rolim Amaro e em 11 de setembro de 2001, os atentados nos USA foram o golpe definitivo na recuperação da Varig. As dívidas multiplicaram-se exponencialmente ao mesmo tempo em que os passageiros internacionais sumiam. A TAM cortou imediatamente sua oferta, saindo de alguns mercados considerados estratégicos. A Varig o que fez? Manteve no ar os aviões, vazios. A Transbrasil não aguentou e em dezembro parou de operar. A partir daí, a presidência da Varig pareceu ser como aquela brincadeira de dança das cadeiras. O ritmo da mudança de nomes é alucinante: depois que Fernando Pinto perdeu sua batalha contra a Fundação, em seu lugar entrou Ozires Silva, lendário homem-chave responseavel pelo estabelecimento da Embraer. Durou pouco, logo substituído or Arnim Lore, em 2002. Outro homem sério, Lore mal teve tempo de esquentar a cadeira, trocado por Manuel Guedes meses depois. Em maio de 2003, Roberto Macedo entrou em seu lugar. Em agosto do mesmo ano, Macedo foi substituído por uma "Regência Trina Provisória", composta pelos vice-presidentes Alberto Fajerman (operações) Luiz Martins (Comercial) e Luiz Wellish (Financeiro). Em janeiro de 2004, o cmte. Luiz Martins assumiu sozinho. Ficou até meados de 2005, quando Henrique Neves o substituiu, ele mesmo passando logo depois o bastão à David Zylberstajn. Dois meses depois, entrou Omar Carneiro da Cunha, que durou somente até novembro, quando Marcelo Bottini assumiu. A Varig, que em seus primeiros 50 anos teve 5 presidentes, nos últimos 3 anos teve nada menos que 9 presidentes. Resultado? As dívidas, que já eram grandes, tornaram-se monstruosas, na casa dos 8, 9, 10 bilhões de reais, dependendo da fonte. Sem alternativas, a Varig começou pedir ajuda ao governo FHC já em 2002. O PSDB, tucanamente, empurrou o problema para o governo Lula. José Viegas, ministro da defesa petista, afirmou que ajudaria, desde que Varig e TAM se fundissem. Depois de manobras de bastidores, o ministro e os presidentes das empresas, visivelmente constrangidos, vieram a público no começo de 2003 para anunciar um acordo de code-share entre Varig e TAM. Na prática, as aeronaves que a Varig teve de devolver nas semanas anteriores foram substituídas pelos novíssimos Airbus que a TAM estava recebendo ao ritmo de um por semana. Em 10 de março de 2003 decolaram os primeiros vôos compartilhados Varig / TAM de Congonhas para Santos Dumont, Porto Alegre, Pampulha, Florianópolis e Curitiba; de Santos Dumont para Vitória e Pampulha; de Curitiba para Porto Alegre e de Florianópolis para Porto Alegre. Passageiros que nunca haviam voado TAM entraram pela primeira vez nos modernos Airbus da empresa e gostaram do que viram. O acordo perdurou até maio de 2005. Ao final da cooperação, a TAM já tinha quase 35% do mercado e a Gol encostou na Varig. Em julho de 2005, a Varig ficou pela primeira vez atrás da Gol. Ao final desse ano, a participação da Pioneira ficou num distante terceiro lugar, com menos de 20% do mercado doméstico e 75% do internacional. Nessa época, foi revelado o que todos já sabiam: auditorias feitas na FRB descobriram fraudes, desvios de recursos, descarados casos de nepotismo ocorridos entre o final dos anos 90 até meados de 2003, quando a Fundação Ruben Berta era presidida por Yutaka Imagawa. A auditoria, realizada com a ajuda das consultorias Ernst & Young e Kroll, descobriu negociatas em várias ocasiões. Por exemplo: em uma operação que tinha por objetivo liquidar a Varig Agropecuária (Vagro), foi constituída uma empresa chamada Seletto Alimentos do Nordeste - que assumiria ativos e passivos, entre os quais uma dívida de R$ 46 milhões com a Previdência Social. A Seletto foi depois absorvida pela Aastec, empresa de planejamento tributário que prestava serviços para a Varig e era dirigida pelo cunhado de um alto executivo da FRB, Manuel Lourenço, braço direito de Imagawa. A Aastec não desembolsou nada pelo negócio nem pagou as dívidas com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que, corrigidas, passavam de R$ 80 milhões. Outros R$ 14 milhões foram desperdiçados com o pagamento de um sistema de informática para a subsidiária de cargas VarigLog, que um ano depois concluiu que o mesmo não era adequado a seus negócios. A auditoria apontou indícios de que o então presidente da VarigLog, José Carlos Rocha Lima, seria sócio indireto da fornecedora do sistema de informática, a Embralog. Segundo essa auditoria, um rombo de R$ 70 milhões foi gerado a partir da criação da agência de turismo Varig Travel. Criada pela Varig em sociedade com os irmãos Humberto e Walter Folegatti, donos da PNX Travel e da BRA, a Varig Travel viria propiciar a criação de uma empresa aérea que passaria a competir com a Varig, a BRA. O ano de 2005 ia chegando ao fim e algo precisava ser feito. As notícias e boatos sucediam-se mais rápido do que os jatos de carreira. A Varig anunciava ter uma fila de parceiros interessados. Na prática, apenas a TAP fez uma proposta concreta pela Varig. A empresa portuguesa é presidida por Fernando Pinto, ele mesmo que havia sido defenestrado anos antes pela gangue de Imagawa. O próprio Imgawa não resistiu e acabou ele próprio sendo afastado, conquanto tardiamente, em meados de 2003. Mas a TAP sozinha pouco poderia fazer. Tentaram então vender a Varig aos pedaços. A VEM, Varig Engenharia e Manutenção, foi parar nas mãos da própria TAP. Já o Grupo Matlin Patterson, que fundou uma empresa no Brasil para administrar a operação, a Volo Brasil, ficou com a divisão de carga da Varig, a Variglog, embora também essa operação venha sendo contestada. A destruição desta que foi a maior empresa aérea do Brasil não é obra de um fato isolado, assim como um acidente aéreo não acontece por uma única causa. Uma série da fatos, pequenos e grandes deslizes, características do DNA empresarial da empresa e até mesmo uma infeliz somatória de azares, levaram a Varig ao estado terminal em que se encontra.

Nos céus sem a Varig - Parte 1 - Ruben Berta e a Formação do Império



Ruben Berta e a formação do Império
Por trás de cada grande empresa, há sempre um grande homem. Ruben Martin Berta foi o grande nome dos quase 80 anos da Varig. Um dos primeiros funcionários da companhia, entrou para a Varig logo após a sua fundação em 1927. Assumiu o comando da companhia ainda em 1941 e transformou a modesta empresa num gigante mundial. Administrada por Berta com paixão, dedicação total e muita visão, a empresa saiu do sul do Brasil para ganhar o mundo. Sua primeira grande e visível ampliação deu-se com a inauguração de vôos para New York, em 1955. Depois, em 1959, vieram os primeiros jatos comerciais no Brasil, os Caravelle e logo a seguir, em 1960, os primeiros Boeing 707. Em 1961, nova e decisiva ampliação, ao adquirir o controle do Consórcio Real Aerovias, tornando-se a maior empresa aérea do Brasil. Quatro anos depois, essa história até então impecável maculou-se: a empresa urdiu, junto ao autoritário governo militar, um golpe contra a Panair do Brasil. A empresa carioca teve sua concessão cassada em fevereiro de 1965. Parte de sua frota e rotas de longo curso passaram para a Varig, no episódio mais vergonhoso da história do capitalismo brasileiro. Pouco mais de um ano depois, como se o destino tivesse dado por concluído o trabalho de Berta, o presidente da Varig morreu em sua mesa de trabalho, vítima de um fulminante ataque cardíaco. Então, não só a Varig já era a mais poderosa empresa aérea do Brasil, como sem dúvida, naqueles tempos, uma das melhores do mundo. Vergonhoso, anti-ético, imoral, o fato é que com as rotas da Panair, a Varig estabeleceu-se como empresa aérea de bandeira nos Estados Unidos, Europa, e logo depois na Ásia, com os primeiros vôos para o Japão em 1968. Rotas para a África foram iniciadas ainda nos anos 60. Em 1970, os primeiros Boeing 727 foram recebidos para as rotas domesticas e sul-americanas. Em 1974, chegram os primeiros McDonnell Douglas DC-10-30, inaugurando a era dos jatos wide-body no Brasil. Um ano depois, em 1975, a Varig assumiu o controle da Cruzeiro do Sul e estabeleceu-se como única empresa aérea brasileira a voar para o exterior, monopólio que perdurou até julho de 1990, quando a Transbrasil iniciou vôos regulares para Orlando, Flórida. As sementes da destruiçãoBerta construiu a Varig. Durante sua administração, uma idéia que teve para preservar a empresa foi justamente a que, décadas depois, funcionaria como semente de sua destruição. No dia 7 de dezembro de 1945, Berta instituiu a criação da Fundação de Funcionários da Varig, que após a sua morte em 1966 seria rebatizada com seu nome. Berta acreditava que a maneira mais eficiente para defender o futuro da empresa era fazer com que a propriedade da Varig fosse pulverizada e dividida entre seus funcionários. Criada a Fundação, a Varig passava a ter um colégio deliberativo, eleito pelos próprios funcionários, que agiria como poder moderador das decisões de seus executivos. A realidade mostraria outro papel para a Fundação Ruben Berta (FRB). Berta foi sucedido por homens igualmente competentes e apaixondaos pela empresa, como Erik de Carvalho e Hélio Smidt. Mas gradativamente, a FRB começou a crescer em importância política, interferindo diretamente no dia-a-dia dos executivos da empresa. A fundação, criada para resguardar os interesses dos milhares de funcionários, na prática, começou a tomar decisões de ordem operacional. A FRB, sem o devido preparo técnico e respaldo, passou a dividir com os presidentes da Varig as decisões fundamentais, estratégicas, bem como, nos anos seguintes, passou a ter peso até na condução do dia-a-dia da companhia. Ao final da década de 70, mais precisamente em 1978, um decreto do presidente Jimmy Carter iria mudar para sempre o panorama da aviação mundial. Naquele ano foi assinado o decreto que desregulamentou a avição norte-americana. A partir daquele momento, o setor passou a conviver com uma palavra que desconhecia: competição. Até então, os governos de todo o mundo controlavam a oferta e dividiam os mercados de acordo com seus interesses. No Brasil não era diferente. A única forma de competição era mesmo pela preferência popular. Preços, freqüências e mercados eram divididos pelo Governo brasileiro através de um órgão da Força Aérea Brasileira, o DAC - Departamento de Aviação Civil. Como mostra exemplarmente o episódio da fraudulenta falência da Panair, a Varig gozava de enorme prestígio junto ao governo. Inatacável, suas decisões eram burocraticamente comunicadas à Brasília, que basicamente aprovava tudo o que a Varig pedia, em detrimento de suas únicas concorrentes, Vasp e Transbrasil. Exemplos abundam.O monopólio nas rotas intenacionais é um deles. Ou então, os pedidos de compras para reequipamento das frotas da Vasp e Transbrasil eram sempre alvo de "consulta" do governo junto à Varig, que invariavelmente dificultava o processo. Essa situação perdurou sobretudo no regime militar. Em 1985, com o primeiro presidente civil desde 1964, o quadro pouco mudou: a herança da mão de ferro da FAB no DAC ainda se fazia sentir. Competição no mercado brasileiro continuava algo difuso, visto que até os preços eram controlados pelo governo. Estes eram construídos através do repasse de custos das companhias para o público viajante. As tarifas aéreas no Brasil, como era de se esperar num quadro assim, estavam entre as mais altas em todo o mundo. Inchadas, ineficientes, as companhias aéreas brasileiras pouco faziam para melhorar seus números e ganhar eficiência. Em suma, até então, porque não precisavam mesmo ser mais eficientes. Elas nem sabiam o que era competir. Mas a desregulamentação nos USA chegou para ficar e provocou uma reviravolta em efeito cascata na avição mundial. Centenas de novas companhias aéreas surgiram a partir de 1978. Essas novatas trouxeram avanços, inovações e uma mentalidade moderna, preocupadas em maximizar os lucros, em dar mais ao passageiro ao mesmo tempo que eliminavam custos. Não demorou muito para que as mais tradicionais empresas aéreas começassem a ter dificuldades em competir com essas novatas. Nomes tradicionais como Pan Am, TWA, Eastern, Western, Braniff, apenas para citar algumas, começaram a perder seu brilho. Uma a uma, foram enfrentando dificuldades cada vez maiores para encarar a batalha pela preferência dos usuários. Todas acabariam por desaparecer. Com mais oferta, os preços dos bilhetes caíram. Com preços menores, mais gente voou, compensando a perda de qualidade de receita. Margens menores sobre números maiores: a aviação mudava drasticamente no mundo afora. A mensagem na parede estava escrita, e em outras partes do mundo, outras empresas aéreas e governos começaram a levar a sério as mudanças. Aqui, não. Nos anos 80 e até o início dos anos 90, na cúpula da Varig, a sensação era de total confiança, na base do "Conosco ninguém pode". Essa atitude arrogante, normalmente o prenúncio do fim, era já o primeiro sinal de que havia algo de muito errado na torre de controle de marfim. A Varig havia se desgarrado da dura realidade do mercado. Os administradores da Pioneira não podiam estar errados, pensavam eles. Afinal, a companhia estava capitalizada, era dona de 100% do mercado internacional e 55% do doméstico, tinha uma frota moderna, um ótimo padrão de serviços e apresentava lucros em seus balanços. Em 15 de março de 1990, Fernando Collor de Mello assumiu a presidência da República. Com interesses diretos no setor, através da Vasp, recém privatizada com dinheiro desviado por P.C. Farias, Collor seguiu a cartilha neo-liberal e abriu as amarras do mercado de aviação civil e comercial. Novas empresas surgiram no Brasil: Digex, Airvias, Passaredo, SAVA, Itapemirim, apenas para citar algumas. Transbrasil e Vasp receberam luz verde para iniciar vôos internacionais. Nos Estados Unidos a Pan Am, que também sofria da síndrome de "Conosco ninguém pode", enfrentava crescente competição em todos os mercados. Se até 1990 somente Pan Am e Varig voavam entre o Brasil e os Estados Unidos, ao final daquele ano, a Vasp e a Transbrasil, pelo lado brasileiro e a Eastern, depois American, United, Tower Air, Delta e Continental entraram para dividir o mercado. Os preços caíram e os queixos de alguns diretores de Pan Am e Varig também. Como? Ter de lutar pela preferência com essas "NOVATAS"? Era essa a atitude na Pan Am e na Varig: o mais puro despeito ante à concorrência. Foi inevitável: com a competição rebaixando os preços, a Varig teve de seguir a onda. A qualidade e quantidade de receita começou a cair. Vôos antes lotados, com tarifas altíssimas (SP-Miami custava mais de US$ 2.000,00 na classe econômica) passaram a voar com menor ocupação e com tarifas que mal chegavam à metade desse valor.

CNJ analisa transferencia de recursos da Varig

CNJ analisa transferência de recursos da Varig
Adriana Aguiar, de São Paulo23/09/2009
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O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deve analisar, nos próximos dias, se mantém suspensa a transferência dos valores depositados pela antiga Varig para recorrer em ações trabalhistas para a Primeira Vara Empresarial do Rio de Janeiro, onde tramitou o processo de recuperação judicial da companhia. Estima-se em cerca de R$ 4 milhões o valor que foi destinado à Justiça do Trabalho. A Varig finalizou seu processo de recuperação judicial no início deste mês, mas ainda tem dívidas pendentes
Em março deste ano, o juiz Luiz Roberto Ayoub, da 1ª Vara Empresarial, responsável pelo processo de recuperação da empresa, determinou à Caixa Econômica Federal (CEF) a transferência dos valores obtidos com depósitos recursais trabalhistas da antiga Varig em processos já encerrados para a vara empresarial. Para isso, ele se baseou em decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que determinou a competência da 1ª Vara Empresarial para analisar todas as questões que dizem respeito à recuperação judicial da companhia aérea. Entendimento que foi confirmado, em maio deste ano, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Em agosto deste ano, no entanto, o presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 1ª Região, desembargador Aloysio Santos, suspendeu a transferência desses valores até que a Caixa Econômica Federal (CEF) preste informações à presidência do tribunal ou ao Conselho Curador do FGTS. A determinação do presidente do TRT foi feita pelo Ato Normativo nº 55. Por conta disso, os advogados da Varig, Paulo Penalva, Vanilda Hin e José Alexandre Correa Meyer, entraram com uma representação no CNJ para pedir a anulação dos efeitos desse ato normativo. O principal argumento, segundo Penalva, é de que não houve recurso contra a decisão judicial de Ayoub que determinou a transferência desses valores e que a utilização de ato normativo seria inadequada para suspender os efeitos da decisão. "Não se pode substituir o sistema recursal brasileiro por uma decisão administrativa", afirma.
Para o presidente do TRT, desembargador Aloysio Santos, o ato normativo está em total consonância com o regimento interno do tribunal. Além disso, afirma que a intenção é apenas que a CEF forneça a movimentação financeira desses depósitos para prestar contas sobre esses valores, já que estão vinculados ao FGTS, fundo gerador de recursos para o Sistema Financeiro de Habitação. Por isso, o desembargador entende que deve haver um maior controle dessas movimentações.



Fonte: Valor Econômico