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quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Nos céus sem a Varig - Parte 1 - Ruben Berta e a Formação do Império



Ruben Berta e a formação do Império
Por trás de cada grande empresa, há sempre um grande homem. Ruben Martin Berta foi o grande nome dos quase 80 anos da Varig. Um dos primeiros funcionários da companhia, entrou para a Varig logo após a sua fundação em 1927. Assumiu o comando da companhia ainda em 1941 e transformou a modesta empresa num gigante mundial. Administrada por Berta com paixão, dedicação total e muita visão, a empresa saiu do sul do Brasil para ganhar o mundo. Sua primeira grande e visível ampliação deu-se com a inauguração de vôos para New York, em 1955. Depois, em 1959, vieram os primeiros jatos comerciais no Brasil, os Caravelle e logo a seguir, em 1960, os primeiros Boeing 707. Em 1961, nova e decisiva ampliação, ao adquirir o controle do Consórcio Real Aerovias, tornando-se a maior empresa aérea do Brasil. Quatro anos depois, essa história até então impecável maculou-se: a empresa urdiu, junto ao autoritário governo militar, um golpe contra a Panair do Brasil. A empresa carioca teve sua concessão cassada em fevereiro de 1965. Parte de sua frota e rotas de longo curso passaram para a Varig, no episódio mais vergonhoso da história do capitalismo brasileiro. Pouco mais de um ano depois, como se o destino tivesse dado por concluído o trabalho de Berta, o presidente da Varig morreu em sua mesa de trabalho, vítima de um fulminante ataque cardíaco. Então, não só a Varig já era a mais poderosa empresa aérea do Brasil, como sem dúvida, naqueles tempos, uma das melhores do mundo. Vergonhoso, anti-ético, imoral, o fato é que com as rotas da Panair, a Varig estabeleceu-se como empresa aérea de bandeira nos Estados Unidos, Europa, e logo depois na Ásia, com os primeiros vôos para o Japão em 1968. Rotas para a África foram iniciadas ainda nos anos 60. Em 1970, os primeiros Boeing 727 foram recebidos para as rotas domesticas e sul-americanas. Em 1974, chegram os primeiros McDonnell Douglas DC-10-30, inaugurando a era dos jatos wide-body no Brasil. Um ano depois, em 1975, a Varig assumiu o controle da Cruzeiro do Sul e estabeleceu-se como única empresa aérea brasileira a voar para o exterior, monopólio que perdurou até julho de 1990, quando a Transbrasil iniciou vôos regulares para Orlando, Flórida. As sementes da destruiçãoBerta construiu a Varig. Durante sua administração, uma idéia que teve para preservar a empresa foi justamente a que, décadas depois, funcionaria como semente de sua destruição. No dia 7 de dezembro de 1945, Berta instituiu a criação da Fundação de Funcionários da Varig, que após a sua morte em 1966 seria rebatizada com seu nome. Berta acreditava que a maneira mais eficiente para defender o futuro da empresa era fazer com que a propriedade da Varig fosse pulverizada e dividida entre seus funcionários. Criada a Fundação, a Varig passava a ter um colégio deliberativo, eleito pelos próprios funcionários, que agiria como poder moderador das decisões de seus executivos. A realidade mostraria outro papel para a Fundação Ruben Berta (FRB). Berta foi sucedido por homens igualmente competentes e apaixondaos pela empresa, como Erik de Carvalho e Hélio Smidt. Mas gradativamente, a FRB começou a crescer em importância política, interferindo diretamente no dia-a-dia dos executivos da empresa. A fundação, criada para resguardar os interesses dos milhares de funcionários, na prática, começou a tomar decisões de ordem operacional. A FRB, sem o devido preparo técnico e respaldo, passou a dividir com os presidentes da Varig as decisões fundamentais, estratégicas, bem como, nos anos seguintes, passou a ter peso até na condução do dia-a-dia da companhia. Ao final da década de 70, mais precisamente em 1978, um decreto do presidente Jimmy Carter iria mudar para sempre o panorama da aviação mundial. Naquele ano foi assinado o decreto que desregulamentou a avição norte-americana. A partir daquele momento, o setor passou a conviver com uma palavra que desconhecia: competição. Até então, os governos de todo o mundo controlavam a oferta e dividiam os mercados de acordo com seus interesses. No Brasil não era diferente. A única forma de competição era mesmo pela preferência popular. Preços, freqüências e mercados eram divididos pelo Governo brasileiro através de um órgão da Força Aérea Brasileira, o DAC - Departamento de Aviação Civil. Como mostra exemplarmente o episódio da fraudulenta falência da Panair, a Varig gozava de enorme prestígio junto ao governo. Inatacável, suas decisões eram burocraticamente comunicadas à Brasília, que basicamente aprovava tudo o que a Varig pedia, em detrimento de suas únicas concorrentes, Vasp e Transbrasil. Exemplos abundam.O monopólio nas rotas intenacionais é um deles. Ou então, os pedidos de compras para reequipamento das frotas da Vasp e Transbrasil eram sempre alvo de "consulta" do governo junto à Varig, que invariavelmente dificultava o processo. Essa situação perdurou sobretudo no regime militar. Em 1985, com o primeiro presidente civil desde 1964, o quadro pouco mudou: a herança da mão de ferro da FAB no DAC ainda se fazia sentir. Competição no mercado brasileiro continuava algo difuso, visto que até os preços eram controlados pelo governo. Estes eram construídos através do repasse de custos das companhias para o público viajante. As tarifas aéreas no Brasil, como era de se esperar num quadro assim, estavam entre as mais altas em todo o mundo. Inchadas, ineficientes, as companhias aéreas brasileiras pouco faziam para melhorar seus números e ganhar eficiência. Em suma, até então, porque não precisavam mesmo ser mais eficientes. Elas nem sabiam o que era competir. Mas a desregulamentação nos USA chegou para ficar e provocou uma reviravolta em efeito cascata na avição mundial. Centenas de novas companhias aéreas surgiram a partir de 1978. Essas novatas trouxeram avanços, inovações e uma mentalidade moderna, preocupadas em maximizar os lucros, em dar mais ao passageiro ao mesmo tempo que eliminavam custos. Não demorou muito para que as mais tradicionais empresas aéreas começassem a ter dificuldades em competir com essas novatas. Nomes tradicionais como Pan Am, TWA, Eastern, Western, Braniff, apenas para citar algumas, começaram a perder seu brilho. Uma a uma, foram enfrentando dificuldades cada vez maiores para encarar a batalha pela preferência dos usuários. Todas acabariam por desaparecer. Com mais oferta, os preços dos bilhetes caíram. Com preços menores, mais gente voou, compensando a perda de qualidade de receita. Margens menores sobre números maiores: a aviação mudava drasticamente no mundo afora. A mensagem na parede estava escrita, e em outras partes do mundo, outras empresas aéreas e governos começaram a levar a sério as mudanças. Aqui, não. Nos anos 80 e até o início dos anos 90, na cúpula da Varig, a sensação era de total confiança, na base do "Conosco ninguém pode". Essa atitude arrogante, normalmente o prenúncio do fim, era já o primeiro sinal de que havia algo de muito errado na torre de controle de marfim. A Varig havia se desgarrado da dura realidade do mercado. Os administradores da Pioneira não podiam estar errados, pensavam eles. Afinal, a companhia estava capitalizada, era dona de 100% do mercado internacional e 55% do doméstico, tinha uma frota moderna, um ótimo padrão de serviços e apresentava lucros em seus balanços. Em 15 de março de 1990, Fernando Collor de Mello assumiu a presidência da República. Com interesses diretos no setor, através da Vasp, recém privatizada com dinheiro desviado por P.C. Farias, Collor seguiu a cartilha neo-liberal e abriu as amarras do mercado de aviação civil e comercial. Novas empresas surgiram no Brasil: Digex, Airvias, Passaredo, SAVA, Itapemirim, apenas para citar algumas. Transbrasil e Vasp receberam luz verde para iniciar vôos internacionais. Nos Estados Unidos a Pan Am, que também sofria da síndrome de "Conosco ninguém pode", enfrentava crescente competição em todos os mercados. Se até 1990 somente Pan Am e Varig voavam entre o Brasil e os Estados Unidos, ao final daquele ano, a Vasp e a Transbrasil, pelo lado brasileiro e a Eastern, depois American, United, Tower Air, Delta e Continental entraram para dividir o mercado. Os preços caíram e os queixos de alguns diretores de Pan Am e Varig também. Como? Ter de lutar pela preferência com essas "NOVATAS"? Era essa a atitude na Pan Am e na Varig: o mais puro despeito ante à concorrência. Foi inevitável: com a competição rebaixando os preços, a Varig teve de seguir a onda. A qualidade e quantidade de receita começou a cair. Vôos antes lotados, com tarifas altíssimas (SP-Miami custava mais de US$ 2.000,00 na classe econômica) passaram a voar com menor ocupação e com tarifas que mal chegavam à metade desse valor.

Um comentário:

  1. Muito bom seu texto!! A historia do golpe contra a Panair esta no livro Pouso Forçado (Daniel Sasaki) da Record.

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