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domingo, 4 de novembro de 2012

A história do Boeing 707 All-Pax no Brasil - Parte 2


 

707-320C Intercontinental: o definitivo

A Varig estava muito satisfeita com o desempenho de seus Boeing 707. Mas, em 1961, a companhia absorveu o consórcio Real-Aerovias, então a maior empresa aérea do Brasil. Ao comprar a Real, herdou desta uma encomenda de 3 jatos Convair 990A, recebidos em 1963. Dois anos depois, ao receber parte do espólio da Panair do Brasil, a empresa gaúcha acabaria por receber um par de jatos Douglas DC-8. Em pouco mais de 5 anos, a Pioneira passou do zero para nada menos que 7 jatos operados: dois DC-8, dois Boeing 707 e três Convair 990A. Uma situação única no mundo: nenhuma outra empresa aérea operou simultaneamente com os três principais quadrimotores a jato de grande porte desenvolvidos nos Estados Unidos.

A liquidação da Panair apresentava um desafio à Varig, que "herdara" as rotas européias. Assim, desde 1965, a Varig precisava mesmo de uma aeronave capaz de voar entre Rio e Londres, Madri, Paris, Roma, Frankfurt e Lisboa, as primeiras cidades na malha européia. Isso era fundamental para a Varig, pois as rotas para o Velho Continente da recém liquidada Panair eram uma velha ambição de Ruben Berta.

E como o modelo efetivamente escolhido pela gaúcha era mesmo o Boeing 707, em 1966 a companhia anunciou a compra de seus três primeiros Boeing 707-341C (C de Convertible, de passageiros a carga e v. versa), a versão mais aperfeiçoada dentre todos os 707 desenvolvidos. A versão 320C era equipada com quatro motores Pratt &Whitney JT3D, com 18.000 libras de potência. Apresentava refinamentos aerodinâmicos, maior capacidade nos tanques (96.360 litros) e maiores pesos de decolagem, chegando a 152 toneladas. Como conseqüência, os 707-341C da Varig podiam voar mais longe - aproximadamente 9.900 km, suficiente para voar sem escalas entre o Rio de Janeiro e as principais cidades européias. Não menos importante, a nova versão possuía ainda uma porta de carga no deck principal. Dessa forma, a Pioneira podia retirar todos os assentos e levar somente carga no deck principal, que contava com piso reforçado para este tipo de missão. A companhia recebeu os 707 e imediatamente colocou as máquinas nas rotas para Nova York e Europa. Como o alcance dos 341C era muito maior do que o dos veteranos PP-VJA e PP-VJJ, estes dois últimos foram praticamente confinados a operar as rotas para Miami, Costa Oeste das Américas e sul-americanas.
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O comandante Geraldo Knippling mais uma vez foi o escolhido para trazer o novo equipamento para o Brasil. Ele liderou a turma de comandantes e pilotos da Varig que tomaram o rumo de Seattle, nos Estados Unidos, ao final de 1966. Em conversas com este notável aviador, ficou claro o seu encanto pelo Boeing 707 na versão Intercontinental. Os dois primeiros na frota da Pioneira (PP-VJR e VJS) foram entregues em 28 de dezembro de 1966.

Rapidamente outras aeronaves foram trazidas. Em 1967, chegou o PP-VJT. Em 1968, o PP-VJK e o PP-VJX. Em 1969, entraram para a frota o PP-VJH, VJY e VJZ. Em 1971, o PP-VLI e VLJ. No ano seguinte, o VLK, VLL e VLM. Em 1973, o PP-VLN, VLO e VLP. Finalmente, em 1974 o último recebido, matrícula PP-VLU.

É bom notar alguns fatos interessantes. Alguns dos Boeing 707-320 recebidos pouco ou nunca operaram vôos de passageiros, sendo prioritariamente empregados em vôos de carga. Como exemplos, temos o PP-VLJ e VLU. Outros exemplares, apesar da configuração "Cargo", poucas vezes transportaram somente carga. O PP-VJH, VJK e VLO são exemplos. Nota-se que o Boeing 707 conferia à Varig uma desejável flexibilidade operacional. A empresa podia mudar substancialmente sua capacidade de transporte, adicionando cargueiros ou convertendo-os em aeronaves de transporte de passageiros, de acordo com as necessidades de mercado. O Boeing 707 seria, por estas razões, o sustentáculo da entrada, crescimento vigoroso e dominação da Varig nas rotas intercontinentais operadas por empresas brasileiras.

Pode-se dizer que o Boeing 707 foi o "Flagship" da companhia por exatos e longos 14 anos, desde a chegada do VJA a Porto Alegre em meados de 1960 até 1974, quando a Varig receberia seu primeiro McDonnell Douglas DC-10-30. Durante esses longos 14 anos - por sinal, os anos de máxima excelência e prestígio nos serviços e na imagem da Varig - o Boeing 707 foi a estrela maior. E, à medida em que as aeronaves do tipo eram entregues, eles foram gradativamente padronizando a frota de longo curso da Pioneira. Com a entrega do PP-VJT em março de 1967, a Varig retirou de serviço e vendeu o Convair 990A PP-VJE. Com a entrega do VLJ e VLI em 1971, a gaúcha retirou definitivamente de operação os Convair remanescentes, PP-VJF e VJG. Apenas um único DC-8 remanescente dos tempos da incorporação da Panair, o PP-PDS, voaria até 1975.
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O Boeing 707 foi o equipamento fundamental da Pioneira em sua vigorosa expansão internacional, que ganhou impulso justamente pela entrega de mais unidades do tipo. Em 25 de junho de 1968, por exemplo, foi inaugurada uma rota herdada da Real: os vôos para o Japão. O vôo RG 830 partiu com um Electra do Aeroporto do Congonhas. No Galeão, troca para o equipamento 707, matrícula PP-VJS, com decolagem às 21h. Após escalas em Lima, Los Angeles e Honolulu, a chegada a Haneda, em Tóquio, ocorreu às 16h (horas locais) dois dias depois, em função dos fusos horários. O vôo inaugural para o Japão esteve sob responsabilidade dos comandantes Carlos Homrich (à época, Diretor de Operações), Schittini e Nagib.

Outro grande momento de nosso país foi protagonizado por um Boeing 707: a honra de transportar a seleção tri-campeã mundial no México coube ao já histórico PP-VJA. Por sinal, esta seria a primeira vez, de três, que a Varig traria de volta ao Brasil a seleção brasileira com as faixas de campeã mundial de futebol. Nesse ano cheio de novidades, a empresa aumentou suas freqüências para a Europa, passando a operar onze vôos semanais, bem como expandiu de dois para três os vôos semanais para Tóquio. Em 30 de junho, mais um vôo semanal para Madri elevou as freqüências para o Velho Continente para uma dúzia por semana. Antes desse memorável ano acabar, em 21 de agosto de 1970, a companhia inaugurou o primeiro vôo para a região meridional da África, um mercado que os Boeing 707 da Varig viriam a desbravar nos anos seguintes. Nessa data, o PP-VJS inaugurou a rota Rio - Johannesburgo - Luanda - Rio.

Perdendo a primazia

O período entre a segunda metade da década de 60 e primeira metade da década de 70 ficou marcado por instabilidades políticas no Brasil e em vários países em todo o mundo. O ideal socialista, que ganhava força nesse período apresentou uma faceta especialmente danosa às companhias aéreas: os seqüestros aéreos. A Varig não foi exceção, sofrendo pelo menos quatro seqüestros. Entre eles, um fato extremamente curioso: o Boeing 707 PP-VJX foi seqüestrado nada menos que três vezes. Essa curiosa sina teve início em 4 de novembro de 1969. O jato voava de Buenos Aires a Santiago do Chile, sob comando de Geraldo Knippling, quando três seqüestradores, todos jovens estudantes paulistas, invadiram a cabine. O Boeing prosseguiu para o Chile antes de voar para Havana. Meses depois, em janeiro de 1970, o VJX foi novamente interceptado, desta vez em um vôo entre Lisboa e Rio. Finalmente, em 12 de março de1970, a aeronave foi seqüestrada durante um vôo entre Santiago do Chile e Buenos Aires. Todas as viagens terminaram em Havana, Cuba, felizmente sem mortos ou feridos.

O ano de 1973 seria marcado por tristes acontecimentos, sobretudo na Varig. Além da primeira grande crise mundial do petróleo, o funesto "Oil Shock", o ano entrou para a história pois aconteceram dois acidentes fatais envolvendo jatos 707. O primeiro com o cargueiro PP-VLJ, que caiu segundos antes do pouso no Galeão, em 9 de junho. A aeronave submergiu na baía de Guanabara, matando dois dos quatro tripulantes. O segundo foi o mais grave da história da companhia. No dia 11 de julho, 116 passageiros e sete tripulantes perderam suas vidas quando o vôo RG 820, operado pelo PP-VJZ, pegou fogo em pleno ar, ao iniciar sua aproximação de Paris. Apesar dos esforços heróicos dos comandantes Gilberto Araújo da Silva e Antônio Fuzimoto, o Boeing não conseguiu chegar a Orly. Fez um pouso forçado em uma plantação de cebolas em Saulx-Les-Chartreux, arredores de Paris, a apenas 5 quilômetros da cabeceira da pista 7.

O acidente com o PP-VJZ chamou a atenção da mídia para um fato. Nas rotas internacionais, o Boeing 707 ainda era a principal aeronave da Varig. Nunca como nesse ano, por sinal, a empresa teve tantos jatos do tipo em operação: nada menos que 17 unidades. Porém, nas companhias aéreas mais poderosas do mundo, o veterano quadrimotor da Boeing vinha perdendo espaço para uma nova geração de aeronaves. Essa nova geração era representada pelos modelos Boeing 747, Lockheed L-1011 Tristar e o McDonnell Douglas DC-10. E, em que pese a excelência de atendimento, a cortesia, os vinhos finos e o caviar, os Boeing 707 da companhia gaúcha não mais podiam fazer frente aos wide-bodies que as empresas concorrentes queriam empregar nos vôos para o Brasil. E só não o faziam por uma attitude protecionista do governo brasileiro: os acordos bilaterais firmados pelo Brasil com outros países proibiam o uso de "wide-bodies" em vôos para o nosso país, até a Varig receber os DC-10. Somente em 1974 as empresas americanas e européias foram autorizadas a voar com B 747 e DC10 para o Brasil.
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A Varig há muito sabia que precisaria, cedo ou tarde, reequipar sua frota de longo curso. Tanto que, desde princípios dos anos 70, vinha estudando cuidadosamente a compra de um desses três novos tipos. O Lockheed Tristar foi o primeiro a ser descartado. Era uma ótima aeronave, mas não possuía alcance para operar vôos sem escalas entre Brasil e Europa. A escolha ficou entre o DC-10 e o Boeing 747. Erik Oswaldo Kastrup de Carvalho, presidente da Varig, encomendou estudos internos que apontaram o DC-10 como alternativa ideal para a companhia. Com o dobro da capacidade do 707, eram mais adequados do que os Boeing 747 para as rotas internacionais, sobretudo na baixa estação, quando o tráfego cai consideravelmente. Ao final de 1972, quatro aeronaves foram encomendadas para operar nas principais rotas internacionais, em uma transação avaliada em US$ 110 milhões. Em 21 de junho de 1974, decolou da fábrica da McDonnell Douglas, em Long Beach, o primeiro DC-10-30 da Varig, matriculado PP-VMA.

Ainda assim, os 707 continuavam a prestar serviços brilhantes para a companhia. Em 1979, após um acidente grave ocorrido nos Estados Unidos, a Federal Aviation Agency determinou a paralisação total de todas as operações com aeronaves DC-10 no mundo todo. A medida entrou em vigor em 29 de maio e afetou profundamente a Varig. Com a paralisação, os cinco DC-10 em uso pela empresa ficaram retidos em solo. Não restou à companhia outra alternativa senão empregar para transporte de passageiros todos os 16 Boeing 707 disponíveis. O esforço foi feito com a ajuda dos tripulantes, que passaram a voar o máximo que permitia a regulamentação. Na verdade, a média de utilização horária dos 707 passou de 10.56 para 16.6 horas ao dia, um nível altíssimo. Essa situação só foi resolvida em 19 de junho, quando o FAA levantou a proibição. Nesse mesmo ano, em 24 de setembro, o vôo RG 409, Brasília-Rio, marcou a despedida de uma aeronave histórica da companhia: o primeiro Boeing 707 recebido pela companhia, o famoso PP-VJA, fez seu último vôo comercial nas cores da Pioneira. Sua retirada de serviço marcou o início de uma lenta e gradual substituição do tipo no transporte exclusivo de passageiros.

Ainda assim, os 707 da empresa continuariam a servir muitos mercados com classe e eficiência. Bons exemplos são os serviços africanos, que os 707 inauguraram e mantiveram na malha até meados da década de 80. Exemplos: em 1977, ano em que a empresa completou 50 anos de vida, em 26 de junho, partiu o vôo inaugural para Lagos, Nigéria. Em 1982, foi inaugurado o prolongamento da linha de Luanda até Maputo, Moçambique. Em 16 de outubro de 1984, partiu o primeiro RG 796, Rio - Abidjan, Costa do Marfim. Simplesmente a Varig não possuía aeronave mais adequada do que os 707 em termos de capacidade e alcance para rotas internacionais de menor densidade de tráfego. Por exemplo, em 20 de janeiro de 1984 decolou o primeiro RG 876, serviço semanal entre Rio - Guayaquil - Quito - San José de Costa Rica.

Em 1986, a Pioneira recebeu seu primeiro Boeing 767-200, matriculado PP-VNL, modelo escolhido para acelerar definitivamente a aposentadoria do 707. Em julho de 1987 teve início a entrega de seis jatos 767-241ER, comprados diretamente junto ao fabricante ao custo de US$ 380 milhões. Com a chegada destas aeronaves, os vôos internacionais remanescentes operados pelos 707 seriam gradativamente substituídos pelos novos e muito mais eficientes bimotores. Antes que essa transição fosse completada, mais um acidente fatal ocorreria com o tipo em serviço na Pioneira. No dia 2 de janeiro de 1987, o PP-VJK caiu nas cercanias em Abidjan, matando cinqüenta de seus 51 ocupantes. A aeronave fazia seu último vôo na companhia: após pousar no Galeão, ela seria desativada. Junto com três outras (PP-VJH, VJX e VJY), ela havia sido vendida à Força Aérea Brasileira. Após modificações nas oficinas da Varig, seriam empregadas como aeronaves de transporte e reabastecimento. O acidente acelerou a remoção do tipo no transporte de passageiros.

Ao final de 1987, foram operados os últimos vôos de passageiros com 707 na Varig nas rotas africanas. O derradeiro foi o vôo SC930/931, unindo Buenos Aires, Guarulhos e Rio de Janeiro. A aposentadoria definitiva do último 707 em operação, o cargueiro PP-VLN, foi selada quando o mesmo foi vendido em 24 de outubro de 1989, colocando um ponto final em 29 anos de operações ininterruptas do modelo na Varig. 
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737-300  PT TEF decolando de Congonhas, veja mais na aba PONTE AÉREA
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Electra II L188A, operado por Varig pronto para decolar de Congonhas
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