MAGAZINE SOUJAR

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Nos céus sem a Varig - Parte 2 - Ameaças domésticas


Ameaças domésticas
O poderio da Pioneira começava a ser ameaçado também em sua casa. Em primeiro lugar, pela desastrada interferência do Governo federal na economia. Os planos Verão 1 e Verão 2, decretados em 1986 pelo presidente Sarney e seus ministros Dilson Funaro e Bresser Pereira, congelaram os preços das passagens, mas não os custos das aéreas. De certa forma, a Varig foi beneficiada ante a concorrência, pois durante os congelamentos, mais de 60% de sua receita não foi congelada, pois estava atrelada ao dólar (venda de passagens internacionais). De qualquer forma, a Varig moveu ação contra o Governo, ação esta já ganha em primeira instância. Brasília terá de pagar à Varig, mais cedo ou mais tarde, algo em torno de R$ 4,5 bilhões, da mesma maneira que já pagou R$ 750 milhões à Transbrasil em 1998.Além das trapalhadas em Brasília, a Varig começou a enfrentar no mercado doméstico, uma nova e ameaçadora concorrente. A entrada em operação do Fokker 100 da TAM em aeroportos centrais, Congonhas, Pampulha e Santos Dumont, começou a agitar o sonolento equilíbrio do mercado doméstico, por décadas dividido fraternalmente entre Vasp, Varig e Transbrasil. Em abril desse mesmo fatídico 1990, morreu o último grande presidente da Varig, Hélio Smidt. Quinto presidente da empresa em 53 anos, Smidt foi substituído por seu braço direito, Rubel Thomas que, como a história mostraria, foi o primeiro presidente da Varig a ser demitido do cargo. Thomas assumiu e logo depois, em janeiro de 1991, a Guerra do Golfo jogou o setor numa recessão sem precedentes. Foi o primeiro ano na história da IATA em que o tráfego recuou. Thomas, ao contrário do que seria prudente, ampliou a frota, encomendando dezenas de novas aeronaves, entre elas os novos 747-400. A instabilidade política no Brasil, a inflação galopante e os planos milagrosos de Collor & Cia. Ltda. cobraram seu preço: a aviação no Brasil enfrentou grave crise, com número decrescente de viajantes. A Varig só fazia crescer suas dívidas. "Conosco ninguém pode". A Vasp expandia de fora aparentemente imprudente seus serviços e frota, conquistando novas rotas intercontinentais a cada mês: Bruxelas, Osaka, Atenas, Casablanca, Miami, New York, Los Angeles e Frankfurt, apenas para citar algumas. Hoje conhece-se o "milagre": a CERNAI, órgão que define a política de divisão de mercado da aviação internacional, era dirigida por pessoas que faziam parte da "folha de pagamentos" da Vasp de Wagner Canhedo, testa de ferro de P. C. Farias. Alguns destes profissionais, após deixarem a CERNAI, passaram despudoradamente a trabalhar na própria Vasp. A Varig via-se, pela primeira vez em décadas, do lado errado do poder. Desacostumada com a inusitada situação, não reagiu como deveria. Some-se a isso o fato que em janeiro de 1992, os Electra deixaram a Ponte Aérea para sempre. A partir daí, a participação da Varig na mais lucrativa e prestigiosa rota de nossa aviação só declinou. O perigo também era vermelho. Com um serviço mais dedicado, custos mais controlados, salários menores e aeronaves mais eficientes em trechos curtos, a TAM começou a ganhar muito dinheiro em detrimento da participação das "três grandes", que coletivamente ainda desdenhavam de Rolim Adolfo Amaro e de seus modestos Fokker 100. De patinho feio, de "regional metida a grande" como definia um dos barões do setor, a TAM foi ganhando espaço das três grandes no mercado doméstico. Aparentemente ainda sem acreditar em tudo isso, a Varig começou a perder dinheiro, muito dinheiro. A primeira solução para recapitalizar a empresa foi vender, para bancos e empresas de leasing, suas próprias aeronaves e e arrendá-las de volta, numa operação conhecida como "Sale and lease-back". A Pioneira, que era dona de considerável frota de DC-10, 747, 767, 737 e 727 passou a pagar aluguel para voar os aviões que antes eram seus. Mesmo assim, em 1994, a situação ficou tão insustentável que pela primeira vez, a Varig teve de devolver aeronaves: os novíssimos Boeing 747-400, orgulho maior da frota da Pioneira, recebidos em 1991, foram devolvidos aos arrendadores. A Varig começava a encolher, mas não perdia a pose. A FRB parece ter ficado chocada com o quadro e demitiu Rubel Thomas em abril de 1995. Em seu lugar, entrou Carlos Engels, que durou pouco tempo. Em 1996, o engenheiro Fernando Abs Pinto tornou-se o oitavo presidente da Varig. Nessa época, a Fundação Ruben Berta já havia, de fato, tomado para sí as decisões estratégicas da empresa. Os executivos da Varig, alguns mais, outros menos, eram meros executores, títeres das políticas ditadas pela FRB. Fernando Pinto havia feito um ótimo trabalho como presidente da Rio-Sul e obviamente tentou repetir a dose. Mas ficou claro que a FRB, presidida por Yutaka Imagawa, tinha outras interesses. Uma longa e surda luta pelo poder foi consumindo os esforços de Fernando Pinto e da própria companhia. A FRB, eleita por colegiado, mostrava-se absolutamente anacrônica. Sua estrutura de poder, constituída através do voto, ensejava o estabelecimento de "currais", as famosas igrejinhas. O poder era feudal, descentralizado, dividindo a Varig em vassalos e suseranos, isso já no limiar do ano 2000. Na prática, ninguém agia como dono, ninguém tomava as decisões mais difíceis. Ninguém trabalhava com o zêlo, com a firmeza necessária. Ninguém controlava resultado algum. Eficiência e economia, rentabilidade e adequação de oferta à procura não eram perseguidas com o rigor necessário. A empresa era administrada como se não enfrentasse concorrentes, como se por poder divino houvesse uma determinação que dissesse que os céus brasileiros seriam sempre cruzados pelas aeronaves com a rosa dos ventos na cauda. Demissões, por exemplo: nem pensar. Hoje, com menos de 50 jatos em operação, a Varig tem o dobro de funcionários da TAM, cuja frota já é praticamente o dobro da sua. A Pioneira era dirigida como uma autarquia, como uma ineficiente empresa estatal. Por exemplo: anos após a devolução dos jatos Embraer 145, as tripulações desses jatos continuam empregadas, recebendo salários, mesmo sem voar. Nos primeiros anos do governo FHC, veio uma passageira bonança: o dólar equiparado ao Real foi uma bênção para o setor, e sobretudo para a Varig, cada vez mais endividada em moedas fortes. Mas o que fez a companhia? Embarcou em outra onda de expansão, comprando o controle da Nordeste, trazendo novas aeronaves, crescendo a qualquer custo. O fim da paridade cambial em 1999 foi um golpe duro. O dólar chegou a quase R$ 4,00, debilitando o já minguado caixa da companhia. O ano que mudou tudoNo começo de 2001, ocorreram dois fatos que teriam profundas repercussões. Em janeiro, a Gol entrou no mercado doméstico. Desacreditada a princípio, roubou mercado de todas, inclusive da TAM. Em março de 2001, a TAM roubou da Varig a primeira posição no mercado doméstico, algo que não acontecia desde 1961. Nesse ano fatídico, em julho morreu o cmte. Rolim Amaro e em 11 de setembro de 2001, os atentados nos USA foram o golpe definitivo na recuperação da Varig. As dívidas multiplicaram-se exponencialmente ao mesmo tempo em que os passageiros internacionais sumiam. A TAM cortou imediatamente sua oferta, saindo de alguns mercados considerados estratégicos. A Varig o que fez? Manteve no ar os aviões, vazios. A Transbrasil não aguentou e em dezembro parou de operar. A partir daí, a presidência da Varig pareceu ser como aquela brincadeira de dança das cadeiras. O ritmo da mudança de nomes é alucinante: depois que Fernando Pinto perdeu sua batalha contra a Fundação, em seu lugar entrou Ozires Silva, lendário homem-chave responseavel pelo estabelecimento da Embraer. Durou pouco, logo substituído or Arnim Lore, em 2002. Outro homem sério, Lore mal teve tempo de esquentar a cadeira, trocado por Manuel Guedes meses depois. Em maio de 2003, Roberto Macedo entrou em seu lugar. Em agosto do mesmo ano, Macedo foi substituído por uma "Regência Trina Provisória", composta pelos vice-presidentes Alberto Fajerman (operações) Luiz Martins (Comercial) e Luiz Wellish (Financeiro). Em janeiro de 2004, o cmte. Luiz Martins assumiu sozinho. Ficou até meados de 2005, quando Henrique Neves o substituiu, ele mesmo passando logo depois o bastão à David Zylberstajn. Dois meses depois, entrou Omar Carneiro da Cunha, que durou somente até novembro, quando Marcelo Bottini assumiu. A Varig, que em seus primeiros 50 anos teve 5 presidentes, nos últimos 3 anos teve nada menos que 9 presidentes. Resultado? As dívidas, que já eram grandes, tornaram-se monstruosas, na casa dos 8, 9, 10 bilhões de reais, dependendo da fonte. Sem alternativas, a Varig começou pedir ajuda ao governo FHC já em 2002. O PSDB, tucanamente, empurrou o problema para o governo Lula. José Viegas, ministro da defesa petista, afirmou que ajudaria, desde que Varig e TAM se fundissem. Depois de manobras de bastidores, o ministro e os presidentes das empresas, visivelmente constrangidos, vieram a público no começo de 2003 para anunciar um acordo de code-share entre Varig e TAM. Na prática, as aeronaves que a Varig teve de devolver nas semanas anteriores foram substituídas pelos novíssimos Airbus que a TAM estava recebendo ao ritmo de um por semana. Em 10 de março de 2003 decolaram os primeiros vôos compartilhados Varig / TAM de Congonhas para Santos Dumont, Porto Alegre, Pampulha, Florianópolis e Curitiba; de Santos Dumont para Vitória e Pampulha; de Curitiba para Porto Alegre e de Florianópolis para Porto Alegre. Passageiros que nunca haviam voado TAM entraram pela primeira vez nos modernos Airbus da empresa e gostaram do que viram. O acordo perdurou até maio de 2005. Ao final da cooperação, a TAM já tinha quase 35% do mercado e a Gol encostou na Varig. Em julho de 2005, a Varig ficou pela primeira vez atrás da Gol. Ao final desse ano, a participação da Pioneira ficou num distante terceiro lugar, com menos de 20% do mercado doméstico e 75% do internacional. Nessa época, foi revelado o que todos já sabiam: auditorias feitas na FRB descobriram fraudes, desvios de recursos, descarados casos de nepotismo ocorridos entre o final dos anos 90 até meados de 2003, quando a Fundação Ruben Berta era presidida por Yutaka Imagawa. A auditoria, realizada com a ajuda das consultorias Ernst & Young e Kroll, descobriu negociatas em várias ocasiões. Por exemplo: em uma operação que tinha por objetivo liquidar a Varig Agropecuária (Vagro), foi constituída uma empresa chamada Seletto Alimentos do Nordeste - que assumiria ativos e passivos, entre os quais uma dívida de R$ 46 milhões com a Previdência Social. A Seletto foi depois absorvida pela Aastec, empresa de planejamento tributário que prestava serviços para a Varig e era dirigida pelo cunhado de um alto executivo da FRB, Manuel Lourenço, braço direito de Imagawa. A Aastec não desembolsou nada pelo negócio nem pagou as dívidas com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que, corrigidas, passavam de R$ 80 milhões. Outros R$ 14 milhões foram desperdiçados com o pagamento de um sistema de informática para a subsidiária de cargas VarigLog, que um ano depois concluiu que o mesmo não era adequado a seus negócios. A auditoria apontou indícios de que o então presidente da VarigLog, José Carlos Rocha Lima, seria sócio indireto da fornecedora do sistema de informática, a Embralog. Segundo essa auditoria, um rombo de R$ 70 milhões foi gerado a partir da criação da agência de turismo Varig Travel. Criada pela Varig em sociedade com os irmãos Humberto e Walter Folegatti, donos da PNX Travel e da BRA, a Varig Travel viria propiciar a criação de uma empresa aérea que passaria a competir com a Varig, a BRA. O ano de 2005 ia chegando ao fim e algo precisava ser feito. As notícias e boatos sucediam-se mais rápido do que os jatos de carreira. A Varig anunciava ter uma fila de parceiros interessados. Na prática, apenas a TAP fez uma proposta concreta pela Varig. A empresa portuguesa é presidida por Fernando Pinto, ele mesmo que havia sido defenestrado anos antes pela gangue de Imagawa. O próprio Imgawa não resistiu e acabou ele próprio sendo afastado, conquanto tardiamente, em meados de 2003. Mas a TAP sozinha pouco poderia fazer. Tentaram então vender a Varig aos pedaços. A VEM, Varig Engenharia e Manutenção, foi parar nas mãos da própria TAP. Já o Grupo Matlin Patterson, que fundou uma empresa no Brasil para administrar a operação, a Volo Brasil, ficou com a divisão de carga da Varig, a Variglog, embora também essa operação venha sendo contestada. A destruição desta que foi a maior empresa aérea do Brasil não é obra de um fato isolado, assim como um acidente aéreo não acontece por uma única causa. Uma série da fatos, pequenos e grandes deslizes, características do DNA empresarial da empresa e até mesmo uma infeliz somatória de azares, levaram a Varig ao estado terminal em que se encontra.

Um comentário:

  1. A real e dolorosa verdade é que a Varig faliu por incompetência, ignorância, burrice, soberba e cobiça dos administradores , (leia-se "Curadores" , o nome parece irônico !).
    Eles tiveram varias oportunidades para negociar e conseguir salvar a empresa, mas não, prevaleceu sempre a ótica atrasada e incompetente dos "administradores". Uma parcela de culpa cabe aos aeronautas mas em qualquer empresa séria isto seria resolvido com gestão, o que faltou completamente à turma de Yutaka, Ermakoff, Adenias, Cury, Zanata, Santos, Sheila, Eremildo Zinaro e outros, São esses que devem ser julgados e colocados na cadeia para ver o sol quadrado. Totalmente lamentável com os aposentados do Aerus, mas sugiro a eles abrir uma açao civel contra os ex-curadores que seguramente terá grande chance de sucesso, confiscando assim as varias fazendas de cafe que Yutaka comprou com dinheiro roubado da pioneira, e onde esta a viver do bom e do melhor. Outro que se locupletou foi o tal do russo Ermakoff, que com o dinheiro roubado abriu uma editora de livros carissimos no Rio. Assinado : um comandante da ex-pioneira

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